::::c::::a::::o::::s::::m::::o::::s:::: Caô Press |
30.4.03
Hino
Child Psychology (Haines & Moore) I stopped talking when I was six years old I didn't want anything more to do with the outside world I was happy being quiet But, of course, they wouldn't leave me alone My parents tried every trick in the book From speech therapists to child psychologists They even tried bribery I could have anything As long as I said it out loud Life is unfair, kill yourself or get over it Life is unfair, kill yourself or get over it Of course this episode didn't last forever I'd made my point and it was time to move on To peel away the next layer of deceit And see what new surprises lay in store My school report said I showed no interest "A disruptive influence" I felt sorry for them in a way And when they finally expelled me It didn't mean a thing Life is unfair, kill yourself or get over it Life is unfair, kill yourself or get over it (At that time she stopped what she was doing, she stopped playing. She stared, she had the facial grimicing, and then the psychiatrist was saying, "Julie, Julie, can you hear me? Can you open your eyes? Can you stick out your tongue?" And all of a sudden, Julie struck out.) The November day when I came home The Christmas decorations were already up Spray on snow, coloured flashing lights And an artificial tree that played Silent Night Over and over again My parents welcomed me with loving arms But within an hour were back at each others throats Normal, happy childhood back on course Batteries not included Life is unfair, kill yourself or get over it Life is unfair, kill yourself or get over it Life is unfair, kill yourself or get over it Life is unfair, kill yourself or get over it 29.4.03
É de pequeno que se torce o pepino
Se eu fosse perder meu tempo mostrando tudo o que há de podre no reino da publicidade e da propaganda, nunca mais faria outra coisa. Mas esta aqui eu estou guardando desde outubro, porque é das boas. Dêem uma olhada: ![]() Detalhe da embalagem do biscoito Trakinas, da Nabisco Moral (?) da história: Você é isperto e quer comer biscoito recheado? Engane e roube sua irmã! Sabem como é, eu sou do tempo em que a bandalheira não era institucionalizada pelo mercado, e as crianças só aprendiam essas coisas com as tais "más companhias". Era mais divertido, e as más companhias pegavam mais leve.
80 e muitos
Sou uma anciã aos 23 anos. Ainda não é necessário madrugar para garantir um lugar na fila do INSS, o espelho não denuncia rugas e cabelos brancos, a bunda e os dentes continuam no lugar. Mas há esse cansaço e uma vontade tremenda de pegar o rumo para o Retiro dos Artistas. Aí, liguei para a minha mãe e comentei: - Mãe, sinto-me uma velha. - E quando é que você foi jovem, filha? Depois dessa, os sinais tornaram-se irrefutáveis. O peso dos meus virtuais 89 anos caiu sobre mim quando * ignorei o lançamento do cd da banda que é o hype e que veio salvar o rock; * passei a ignorar os lançamentos dos incontáveis pretendentes a salvar o rock, o soul, o jazz, o samba, o forró, a mpb, o funk... * soltei um bocejo e decidi tirar uma soneca ao me deparar com mais uma polêmica literária envolvendo sobrenomes como Bukowski, Fante, Averbuck, Young, Mirisola; * soltei um bocejo e decidi tirar uma soneca ao me deparar com qualquer tipo de polêmica; * li os comentários de meninas anoréxicas e bulímicas num blog amigo, revoltadas porque ousei dizer que ter um transtorno alimentar não é ter um estilo de vida, e resolvi ficar calada e levar a bengala pra passear; * levei a bengala pra passear na pracinha cheia de confrades jogando dominó e de babás gostosas tomando conta de birrentinhos e achei aquilo o melhor programa do mundo. Aguardo, feliz, o apagar das velinhas do meu nonagésimo aniversário. 28.4.03
Recados ou De como erro de transformou-se em Helen sem recorrer a nenhum método cirúrgico ou ainda O poema da velha senhora da Casa do Sol usado em boa causa
Tudo isso porque eu queria escrever um título tão grande como os dos últimos posts do Francisco. Tsc... Ainda sim, peço licença para homenagear a ele, o homem que conhece esta que vos escreve sob as mais diferentes perspectivas (luz e sombra, preto e branco, a cores, muda, dublada, com legendas em russo, etc.) com este poeminha da estupenda Hilda Hilst: O tempo é na verdade o do retorno. Pensa como se agora fôssemos argila E estivéssemos sós e mudos, lado a lado. Por um momento (se viessem chuvas) Talvez se misturasse o meu corpo com o teu E um gosto de terra úmida aproximasse Brandamente As nossas bocas. Que seja assim lembrada a tua ausência: Como se nunca tivéssemos nascido Sangue e nervos. Como se nunca tivéssemos Conhecido a verdade e a beleza do amor. Pensa como seria se não fôssemos. E não houvesse o pranto, o ódio o desencontro. O tempo é na verdade o do retorno. Se não for amanhã, será um dia. O céu azul e limpo, o mar tranqüilo Pássaros e peixes, pássaros e peixes Mais nada. in Exercícios. São Paulo: Globo, 2002. Chicofuchs, obrigada por não me deixar pegar o vôo em direção à Espanha. E adeus às bascas!
A equipe de Caô Press não pára de crescer
Estou de volta (Última nota? Quem falou em última nota?) para anunciar a chegada (em breve) de mais um membro da equipe de Caô Press: Jorge Vasconcellos, filósofo, cinéfilo, professor (etc.) e um daqueles amigos que conto nos dedos de uma só mão. E a não ser que Bia (Oi, Bia!) também se interesse em participar da equipe (o que muito nos alegraria), pode-se dizer que o time de Caô Press está completo. E que time! Aqui até Diego e Robinho teriam que lutar por uma vaga. No mais, esta é a última not... 27.4.03
Maná
Melhor nem dizer novamente que esta será minha última nota de 2003. Já está virando piada. Estou de volta para anunciar a chegada (em breve) do mais novo membro da equipe de Caô Press: Marcelo Diniz, poeta, letrista, professor (etc.) e uma das melhores pessoas que já conheci. Daí o título tão singelo (e tão apropriado) desta nota. E por falar em Maná, aproveito para deixar aqui a letra da extraordinária Desapariciones, do panamenho Rubén Blades. É uma homenagem ao Marcelo, à sua família e também a todos os nossos irmãos latino-americanos, desaparecidos ou não. Desapariciones (Rubén Blades) Que alguien me diga si ha visto a mi esposo Preguntaba la Doña Se llama Ernesto X, tiene cuarenta años Trabaja de celador en un negocio de carros Llevaba camisa oscura y pantalón claro Salió anteanoche y no ha regresado Y no sé ya qué pensar Porque esto antes no me había pasado Llevo tres días buscando a mi hermana Se llama Altagracia igual que la abuela Salió del trabajo pa'la escuela Llevaba unos jeans y una camisa clara No ha sido el novio, el tipo está en su casa No saben de ella en la PSN, ni el hospital Que alguien me diga si ha visto a mi hijo Es estudiante de pre-medicina Se llama Agustín y es un buen muchacho A veces es terco cuando opina Lo han detenido, no sé qué fuerza Pantalón claro camisa a rayas Pasó anteayer ¿A dónde van los desaparecidos? Busca en el agua y en los matorrales ¿Y por qué es que se desaparecen? Porque no todos somos iguales ¿Y cuándo vuelve el desaparecido? Cada vez que lo trae el pensamiento ¿Cómo se le habla al desaparecido? Con la emoción apretando por dentro Clara, Clara, Clara, Clara Quiñones se llama mi madre Ella es... Ella es un alma de dios, no se mete con nadie Y se la han llevado de testigo Por un asunto que es nada más conmigo Y fue a entregarme hoy por la tarde Y ahora dicen que no saben quien se la llevó Del cuartel. Anoche escuché varias explosiones Putun patan, putun pete Tiros de escopeta y de revolver Carros acelerados, frenos, gritos Ecos de botas en la calle Golpe de puertas, "por dioses", platos rotos Estaban dando la telenovela, Por eso nadie miró pa' fuera A dónde van los desaparecidos...
Sobre a (pretensa) inutilidade da Filosofia ou De como o desejo de reconhecimento constitui o fundo comum a tantas misérias ou ainda De como o filósofo é o faxineiro da civilização
É um lugar-comum dizer-se que "a filosofia não serve para nada". E as respostas a essa provocação podem ser as mais diversas. "Não serve mesmo para nada, e daí? Um quadro de Picasso também não serve para nada, e milhares de pessoas saem de casa todos os dias só para vê-lo". Essa resposta está longe de ser satisfatória, mas tem ao menos o mérito de nos lembrar que o critério de utilidade não é decisivo. "A Filosofia serve para elevar o espírito, etc." Essa resposta eu nem preciso comentar. Ou preciso? "A Filosofia serve para aborrecer a tolice, para não deixar que a tolice vá tão longe quanto gostaria". Essa é a resposta apaixonada de Gilles Deleuze em "Nietzsche e a Filosofia". É a resposta que mais me agrada. Mas não custa ensaiar outra. A Filosofia serve para mostrar que inúmeros problemas possuem uma raiz comum, e que apenas atacando essa raiz tais problemas poderão encontrar uma solução "definitiva". Um exemplo? O que há em comum entre o adolescente que começa a se drogar só porque seus amigos o fazem, o pivete que mata por causa de um tênis, a mocinha que venderá sua alma (e até mesmo o seu corpo) para aparecer na TV, o jovem escritor que só sabe bajular seu público, a menina que desenvolve anorexia ou bulimia para ser aceita socialmente, o consumidor compulsivo que compra tudo o que vê pela frente? Isso mesmo: o desejo de reconhecimento, ou seja, a submissão ao olhar do outro. Pode parecer incrível, mas até mesmo o ditador que preenche todos os espaços possíveis com sua imagem é um escravo do olhar alheio. Seja qual for o gênero de ditadura. E o poder? E o dinheiro? Quase sempre, a corrida desesperada pelo poder e pelo dinheiro se explicam pelo desejo de reconhecimento. Isso é tão fácil de entender que nem preciso perder tempo com explicações. Muitas vezes imaginamos o filósofo como um ser arrogante, que se acha (superior), e (é claro que) há filósofos que contribuem para fomentar essa imagem. Mas também acontece que o filósofo, em sua vida pessoal, seja um ser bastante humilde e até meio bestão, que cumprimenta as faxineiras e não julga ninguém. Então pode parecer surpreendente que justamente esse ser voluntariamente anódino apareça de repente dizendo que todos nós não passamos de escravos, e que é absurdo ficarmos criticando uns aos outros por causa de nossos sintomas se não atingimos as causas da doença e a vencemos em nós mesmos. É sempre muito mais fácil (e seguro) permanecer no plano dos sintomas. É sempre mais fácil criticar os ditadores de plantão, o consumismo, a estupidez dos articulistas e dos intelectuais, a (perdão) puta que o pariu. Mas enquanto não tivermos coragem para fazer uma reforma em nós mesmos, tudo só tende a piorar. A expressão "médico da civilização" é de Nietzsche. Mas nestes tempos em que tudo é visto como marketing pessoal (muitas vezes com razão, é claro), em que a galera "descolada" zomba de qualquer um que tenha a pretensão de fazer algo para "mudar o mundo" (quem ele pensa que é?), enfim, em que tudo é interpretado da pior maneira possível, eu proponho uma outra expressão: O filósofo é o faxineiro da civilização. Pronto. Eu sou um faxineiro. Meu trabalho é ajudar a varrer as incontáveis camadas superpostas de lixo que nos impedem de enxergar com clareza e até mesmo de respirar. É difícil imaginar um trabalho mais solitário e sufocante. Não estou aqui para receber elogios. Estou apenas fazendo o meu trabalho da melhor maneira possível. O resto é com vocês. Eu não sou mais importante do qualquer faxineira. Mas vocês já pararam para imaginar como ficaria o mundo sem os faxineiros? ... Bom, esta foi, em definitivo (?), minha última nota de 2003. Mas em 2004 voltarei, isto é, se ainda estiver vivo, é claro. Estou escrevendo uma tese sobre a noção de risco, e terei que suar sangue para terminá-la decentemente. O Mário Zambonin também está ocupado com seu romance, e já me avisou que terá pouco tempo para fazer suas notas. Mas para não deixar a "erro de" (que também tem suas responsabilidades) totalmente sozinha, já estou chamando duas pessoas excelentes para escrever aqui, de modo que a luta continua. Até. 26.4.03
Lealdade e fidelidade ou De como eu estaria escrevendo um livro de auto-ajuda sobre relacionamentos amorosos se eu fosse um mercenário ou um embusteiro
Posso contar os meus amigos nos dedos de uma só mão, e Jorge é um desses amigos. Ontem ele me telefonou e tivemos uma ótima conversa sobre relações amorosas. Durante essa conversa, Jorge fez uma distinção entre lealdade e fidelidade. Para ele, defensor radical do amor livre, apenas a lealdade é essencial para um relacionamento amoroso bem sucedido. Em outras palavras, trepar com outras pessoas não é um problema, mas mentir para a parceira sim. Eu, por minha vez, valorizo também a fidelidade: não como uma obrigação (amor e obrigação não podem jamais andar juntos, não é mesmo?), mas como uma dádiva. Afinal, tal como o Jorge, sempre sou leal com minha parceira, e não poderia deixar de contar a ela se porventura tivesse transado com outra pessoa. Só que a probabilidade de que esse tipo de coisa acabe gerando ressentimento (e portanto envenenando a relação) é muito grande. Prefiro evitar esse tipo de desgaste e me dedicar por inteiro à pessoa com quem estou. Meu raciocínio é o seguinte: o prazer que eu poderia ter numa transa qualquer simplesmente não compensaria a tristeza que por causa disso eu provocaria na minha parceira. Afinal, quando escolho alguém para namorar, é porque (dentre muitas e muitas outras coisas) o sexo que temos é pra lá de bom. Assim, para mim, só existem os dois extremos: ou o amor livre mais descarado (quando estou procurando uma parceira) ou a monogamia mais estrita. Um ponto importante nisso tudo é que essa monogamia não é um peso para mim, mas uma simples conseqüência do fato de que a pessoa com quem estou me dá (ops) tudo o que eu poderia desejar em matéria de sexo. Obviamente, eu respeito muitíssimo a maneira de sentir e de agir do Jorge, assim como estou certo de que ele respeita a minha. Nada seria mais ridículo do que dizer que uma posição (ops) é mais "correta" do que a outra. Não existe "verdade" em matéria de sexo e de relacionamento amoroso. E o fato é que os "descolados" que ridicularizam a monogamia possuem um espírito tão estreito (e moralista) quanto aqueles que condenam o amor livre. Mas a noção de verdade já não caducou? Nietzsche já não revelou, com muita propriedade, não apenas que a "verdade" não existe (perspectivismo), mas (principalmente) que a própria busca da verdade é ainda um avatar da moral? É claro que sim. Porém trata-se aqui de um dos problemas mais delicados da filosofia (e da própria vida), e qualquer confusão nesse terreno minado é simplesmente fatal. Obviamente, não pretendo resolvê-lo aqui, num texto curto. Fica apenas a advertência, e uma observação final que exprime a maneira pela qual eu lido com esse problema na minha própria vida. Se necessário, sou capaz de mentir deslavadamente para tiras, juízes, ditadores e para todos os idiotas de plantão. Afinal, se eu fosse dizer na cara de cada idiota o que penso dele ou de suas idéias, passaria a vida discutindo com idiotas, o que, por definição, é uma perda de tempo. Mas eu não minto para a minha parceira ou para os meus amigos. E se um amigo ou parceira mente para mim, sinto-me tratado como se fosse um tira, um juiz ou um ditador: coisas que definitivamente não sou. E não há nada que gele a minha alma de maneira mais definitiva do que descobrir que o amigo ou a mulher que amo mentiu para mim. Afinal, não peço a eles nada - nada - além de transparência, para além do bem e do mal. Lealdade sem moralina. Não descarto a priori a possibilidade de vir a relacionar-me com uma mulher para a qual uma orgia quinzenal é uma condição de existência. Pode acontecer. Mas gente medíocre não tem a mínima chance comigo. É por isso que eu admiro a posição do Jorge, que não abre mão de viver da maneira que deseja, porém com todas as cartas na mesa e nenhuma na manga. Como isso é bacana, e como é lastimável que seja tão raro.
Hermanos
Li ontem n'O Globo (não dá pra linkar porque eles não arquivam as matérias antigas) que a música-símbolo do desgosto e da revolta dos argentinos com os políticos que levaram o país ao brejo é "El tiempo no para". Trata-se de uma versão da banda Bersuit Vergarabat para "O tempo não pára", composta por um certo Agenor de Miranda Araújo Neto. Por coindência, antes de conectar vi na MTV latina (Directv) o clip da Bersuit para a canção, gravado ao vivo com um galerão cantando verso por verso. O vocalista Gustavo El pelado Cordera até cantarola um trechinho em bom português. Segue a versão deles (o arranjo não difere muito do original): Disparo contra el sol con la fuerza del ocaso, mi ametralladora está llena de magia, pero soy solo un hombre más. Cansado de correr en la dirección contraria, sin podio de llegada y mi amor me corta la cara, porque soy sólo un hombre más. Pero si pensás que estoy derrotado, quiero que sepas que me la sigo jugando, porque el tiempo, el tiempo no para. Unos días sí, otros no, estoy sobreviviendo sin un rasguñón, por la caridad de quien me detesta. Y tu cabeza está llena de ratas, te compraste las acciones de esta farsa, y el tiempo no para. Yo veo el futuro repetir el pasado, veo un museo de grandes novedades y el tiempo no para, no para, no. Yo no tengo fechas para recordar, mis días se gastan de par en par buscando un sentido a todo esto. Las noches de frío es mejor no nacer, las de calor se escoje matar o morir, y así nos hacemos Argentinos. Nos tildan de ladrones, maricas, faloperos, y ellos sumergieron un país entero, pues así se roban más dinero... Boa sorte aos hermanos que, neste domingo, terão a dificílima tarefa de escolher entre dezenove embusteiros, digo, canditados dipostos a ocupar a Casa Rosada. 25.4.03
Ana e Mia
Eu já tive Ana e Mia. Não, não irei contar aqui as desventuras da minha (outrora) agitada vida sexual. Ana e Mia são abreviações para Anorexia e Bulimia, dois gravíssimos distúrbios alimentares. As duas doenças minaram a minha adolescência. Não morri por pouco, ou melhor, por causa da obstinação da minha mãe, que chegou a me dar comida na boca, como forma de forçar que eu tivesse algo dentro do estômago e porque eu não tinha energia para levantar um garfo, uma colher sequer. Com 1,64m, cheguei a pesar 27 quilos que equivaliam apenas ao peso da minha cabeça e do restante dos ossos. Eu não falava, não andava e não aceitava ingerir um copo d’água. Minha menstruação parou, os batimentos cardíacos eram cada vez mais lentos e uma sonolência constante me obrigava a ficar deitada. Minha irmã era encarregada de me manter acordada durante o dia, porque todos achavam que eu morreria dormindo de uma hora pra outra. As duas doenças deixaram seqüelas em mim e na minha família. Passei longos cinco anos fazendo tratamento. O casamento dos meus pais quase acabou. Minha irmã ficou tão traumatizada ao ver-me definhar que hoje, uma nutricionista quase formada, escolheu como tema de sua monografia a análise de como a mídia pode influenciar meninos e meninas a desenvolverem bulimia. Por que estou relatando esse capítulo triste (dentre tantos outros) da minha vida? Porque acabo de tomar conhecimento, através do Observatório de Blogs, de diários online de adolescentes que incentivam o No Food e encetam campanhas pró-Ana e pró-Mia. Alguns desses blogueiros chegam a alegar que a “ausência de comida no corpo purifica”, que ser belo e ser saudável corresponde também a ser esquelético. Poucas vezes fiquei tão horrorizada ao ler algo. Apavorada. Ser adolescente não é fácil. Mas fica um tanto melhor quando podemos lidar com as assustadoras transformações, pelas quais mente e corpo passam, desfrutando das coisas simples e maravilhosas dessa fase da vida que são, por exemplo, matar aula de geografia para tomar um sundae duplo de chocolate com os amigos, numa tarde de outono agradável como essa que se inicia e depois ir ao cinema. Sem pressa, sem compromisso e dispensando a companhia da Ana e da Mia.
De como a última nota tornou-se penúltima ou De como é preciso ultrapassar a noção de finalidade ou ainda De como eu gostaria de ter conversado com Bizet antes que ele morresse de desgosto
erro de digitação comentou assim minha última nota: O realejo: "Life is unfair... kill yourself or get over it...". O link: A miséria da arte marginal. O beijo: smack! O beijo eu já retribuí. Segue-se a resposta. ... Belíssimo o texto de Eduardo Fernandes: link mais do que pertinente (modéstia à parte, minha equipe é porreta.) Claro, trata-se ainda de um diagnóstico, e não da cura. A cura (ou um aspecto essencial dela) está na minha nota anterior. Ou melhor: a cura está na aplicação rigorosa, implacável, incessante do texto aí embaixo na nossa vida. Ou o filósofo é o médico da civilização, ou ele não serve para porra nenhuma. Só que para tornar-se médico ele precisa, antes de mais nada, curar-se a si mesmo. Ser implacável consigo mesmo. Cortar fundo na própria carne. "Life is unfair... kill yourself or get over it..." Esplêndido realejo. Só que quando a gente "get over it", a gente compreende que a vida é imaculadamente justa. E nunca mais iremos babar de raiva só porque (seja no mainstream, seja na marginália) as bestas dominam a cena. Pode parecer ingênuo e mesmo piegas, mas... a criação é a sua própria recompensa. Enfim, essa é mais uma razão pela qual eu amo a palavra escrita. Não é como no cinema, onde é tão fácil nos impedirem de realizar algo. Basta um Pentium 233 caindo de podre, como antigamente bastava lápis e papel ou uma máquina de escrever. Ninguém pode nos impedir. Mete-se um pseudônimo, inventa-se que o autor é excêntrico e foi morar na Patagônia, e permanece-se longe do burburinho. O que farão com nossa criação já não é problema nosso. E hoje há a Internet, mundo de pontas e também faca de dois gumes. De todo modo, as portas do reino estão abertas de par em par. Já que cheguei até aqui, devo ir até o fim. Pois bem. Alguém aqui acha que este escrevinhador tem realmente a pretensão de curar a civilização? Mas é óbvio que não. E isso leva-me diretamente a algo que o Arnaldo Jabor disse outro dia na TV: "Sem esperança não há ética, não há pensamento." Ora, basta estudar um pouco de Spinoza (apenas o livro III da Ética) para compreender que a esperança é um sentimento absolutamente supérfluo - e mais, um sentimento a ser completamente eliminado. Tomei coragem para entrar nesse tema porque estas notas dão um bom exemplo do que estou a dizer. O criador não espera porra nenhuma: ele age. Ele faz. Ele produz. E ele não tem qualquer poder sobre as conseqüências de sua produção. Não falo apenas das conseqüências relativas à repercussão de sua obra no mercado (Um Nobel? A insuportável puxação de saco de um círculo restrito? A inexorável poeira das bibliotecas públicas?). Falo também daquilo que mais importa, da repercussão efetiva de sua obra na alma, digo, na subjetividade de seus leitores. Haverá nela potência suficiente para mudar a vida de um único leitor sequer? Seja como for, tudo isso são apenas conseqüências, e não dizem respeito (em nada) à tarefa de criação. Eu não tenho esperança alguma. Tudo me leva a crer que a humanidade está caminhando para o abismo, em todos os sentidos imagináveis. E daí? Esperança e desespero são as duas faces de uma mesma moeda. E a verdade é que não sabemos nada sobre o futuro ou sobre as conseqüências de nossos atos: e por isso mesmo, é preciso agir como se aquilo que fazemos pudesse fazer alguma diferença nesse contexto macabro. Mas não se trata aí de esperança. Os filmes "Nostalgia", de Tarkovski, ou "A felicidade não se compra", de Capra, nada têm a ver com esperança. Eles têm a ver, isso sim, com levar o exercício de nossa potência até o limite, ou, para falar numa linguagem mais simples, com fazer a coisa certa mesmo que isso não adiante de absolutamente porra nenhuma. Ao matar a esperança, matamos também a decepção e o desespero. Matamos aquilo que poderia nos matar. As utopias morreram, mas de rir. E elas morreram de rir quando alguém disse que o cinismo é a única alternativa às utopias. E se nós não estivéssemos tão preocupados com a repercussão exterior de nossos atos, saberíamos que não há outra coisa a fazer senão... fazer. Se você não fizer o mundo não se faz. 24.4.03
Uma (última?) coisinha ou Sobre o que se entende por sucesso ou ainda De como livrar-se de um falso problema e deixar de ficar lamuriando-se pelos cantos
É, eu realmente não poderia tirar minhas férias daqui antes de escrever sobre isso. Fala-se muito sobre "sucesso" hoje em dia. Mas o que é o sucesso? Ao invés de perder horas (da paciência do leitor e da minha) buscando uma definição (única), direi que a concepção de sucesso está diretamente relacionada à maneira de sentir e de pensar daquele que a formula. Senão vejamos. Segundo a concepção corrente de sucesso, este depende fundamentalmente do olhar do outro, do reconhecimento do outro. Segundo essa concepção, alcança o maior sucesso aquele que obtém mais reconhecimento. Mas se o sucesso depende do olhar do outro, torna-se necessário fazer aquilo que (supostamente) o outro reconhecerá. Passa-se a viver (e produzir, etc.) em função do olhar do outro, o que, evidentemente, não passa de uma espécie de escravidão. Mas essa é precisamente a lógica do mercado: um disco de sucesso é aquele que vende bem, e assim por diante. Pode-se tentar pensar o sucesso fora dessa concepção e dessa lógica? É evidente que sim. Basta operar uma reversão (ou, se quiserem, uma subversão) desse valor que nela é absoluto, o olhar do outro. O sucesso passa a depender de critérios outros: por exemplo, a adequação daquilo que fazemos face ao nosso desejo. É uma concepção altiva de sucesso, segundo a qual este nada tem a ver com o que o outro pensa ou deixa de pensar a propósito daquilo que fazemos. O olhar do outro, seja ele qual for, passa a ser uma mera conseqüência da nossa atividade, e já não a dirige. Claro, não é fácil ser um homem livre, sobretudo se dependemos de nosso trabalho para viver. É bom poder vender nosso trabalho, e conquistar condições para trabalhar mais e melhor. E também não há nada de errado com o fato de outros gostarem de nosso trabalho; nesse sentido, o reconhecimento também tem uma face positiva: ele é (ou pode ser, dependendo de onde venha) a indicação de que estamos no caminho certo. Mas a partir do momento em que trabalhamos para vender nosso trabalho ou para vê-lo reconhecido, é inevitável que nos percamos de nós mesmos. É por isso que eu admiro não apenas a filosofia, mas também a vida de Spinoza. Para viver, ele fabricava e polia lentes. Ofício humilde que lhe deu condições para escrever sua obra espantosa. E não é isso, a filosofia, fabricar lentes que nos permitam enxergar o que há de uma maneira diferente? ... Assim, sempre que surgir alguém lamentando-se de que seu trabalho, embora sublime, não é reconhecido, digam a ele (ou ela) que a vida definitivamente não é justa - e saiam de fininho. Criadores jamais se colocam essas questões, até porque a arte é longa, e a vida, breve.
Olha quem está falando
No site da msn: Madonna critica americanos por serem obcecados por dinheiro LONDRES (Reuters) - Madonna, uma das artistas mais ricas do mundo, criticou seus conterrâneos norte-americanos por serem obsessivos pelos "valores errados" como riqueza e beleza. A cantora pop disse à revista britânica Radio Times que os norte-americanos contam com oportunidades que pessoas em outros países não têm, mas se prendem a sonhos superficiais. "Nós, americanos, somos completamente obcecados e envolvidos com valores errados, como ser bonito, ter dinheiro no banco, ser visto como rico e bem-sucedido ou simplesmente ser famoso", afirmou Madonna à publicação especializada em programas de televisão. (...) É, no mínimo, nojento ler a mulher do Guy Ritchie destilando marketing pessoal mal fantasiado de autocrítica. A mesma moça que nos anos 80 ficou conhecida como material girl e que, no entardecer (bonito, não?) de seus quarenta e tantos anos, auto-censura clipes "polêmicos" e impede (valendo-se de um truque bem sujinho) que os internautas baixem as músicas de seu novo álbum, sério canditado a fiasco do ano. Não é à toa que um hacker de timing perfeito quebrou o site da moça. Um viva pra ele.
Da série Onde está o revisor?
Chamada do Uol Esporte: Vitória enfia sete no Palmeiras em pleno Parque Antarctica Enfia... sete gols? Sete anões? Sete pecados capitais? Sete maravilhas do mundo moderno? Sete quedas d'água? Faiz favoire, meu! 23.4.03
Saída à francesa
Muito bem... agora que tenho dois colaboradores do mais alto nível, vou dar uma sumida. Tenho que terminar de fazer umas coisinhas por aqui, mas prometo voltar em 2004. Obviamente, poderei escrever uma ou outra nota ainda este ano, mas não contem muito com isso. Também em 2004 vou reestruturar, como prometido, a biblioteca de caosmos. Já estou juntando umas coisinhas legais para botar lá. No mais, li há tempos atrás uma espécie de manual de instruções para quem quer fazer comentários num blog, e não pude deixar de notar um tópico verdadeiramente assustador. Consta nele que fazer um comentário metódico é signo de "arrogância". Pois bem, não custa avisar que isso não vale aqui. A turma daqui acredita em argumentação, e não em palavras oraculares. Portanto, sintam-se à vontade para argumentar à vontade, numerar os tópicos da argumentação, etc. Até breve. 22.4.03
Os motivos errados
Um amigo mandou para mim este link. Simples: um site em que há um serviço de busca para as canções e respectivas bandas que estavam no topo das paradas britânica e americana no dia, mês e ano do nascimento do requisitante. O requisitante sou eu. Tá lá: em certo dia de janeiro de 1980 (Mark Chapman provavelmente já rondava o Edifício Dakota) a parada britânica era encabeçada por... Pink Floyd. Another brick in the wall, part 2. Tive devaneios incríveis sobre o resultado da parada americana, mas estes ficarão para um outro post. Ou não. Pink Floyd, pois bem. Eu gostava deles. E gostava da música. Mas, pelos “motivos errados". Nunca achei o rock progressivo mais arte ou mais lírico que o outro rock, o de Berry, de Jagger e Richard e até do Elvis. Não. Deixo considerações musicais deste naipe pros tocadores de bronha inveterados. Divirtam-se, pals. De fato, eu gostava de PF porque a garota mais bonita do ginásio (bonita, sim: cabelos recendendo a xampu de morango e fazia barulho – zupt! - quando tomava refrigerante de canudinho) também gostava. Ela, igualmente, pelos motivos errados: vivia se roçando num bando de hippinhos-skatistas, que não tomavam banho, tiravam meleca do nariz durante a aula de ciências e iam pra colina fumar maconha. Fumar maconha na colina, nas noites de sábado, era o auge da escalada sócio-afetiva de um adolescente do litoral fluminense. Enfim. Um dia, criei muita coragem e menti a ela que amava a capa do Dark side of the moon. Ela me deu um sorriso esplendoroso e respondeu - Legal. Dito isso, virou-me as costas e foi, saltitante, juntar-se ao grupinho dos melequeiros. Naquela tarde, em fila indiana, eles esperaram com uma paciência incomum para a idade que ela os chupasse ao som da guitarra melodiosa do David Gilmour. If you don't eat yer meat, you can't have any pudding. How can you have any pudding if you don't eat yer meat? 17.4.03
A quem interessar possa
Fazendo a costumeira visita aos blogs do meu bookmark, vi que o internetc da Dona Rónai tinha um post com o mesmo título e o mesmo assunto do penúltimo post aqui do Caô Press. Ambos foram postados ontem (16/04/03), com a diferença de algumas horas. Antes que alguém resolva deixar um comentário me acusando de plágio, já adianto que é COINCIDÊNCIA. E, convenhamos, a associação com o título do livro do Gabeira é bem óbvia. Não sou só eu que posso ser previsível. Medalhões do jornalismo brasileiro assim também o são. 16.4.03
O que é isso, companheiros?
Brasil critica Cuba, mas não condena Mais uma vez, o Brasil vai se abster de votar na Comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, que pode condenar hoje Cuba por violação aos direitos humanos. O Brasil, porém, vai justificar sua abstenção. Na declaração de voto, o governo brasileiro vai manifestar sua preocupação com as recentes condenações sumárias na ilha, sem respeito ao direito de ampla defesa, mas vai dizer que resoluções como esta só alimentariam os desentendimentos entre EUA e Cuba. Fique petrificado lendo aqui. 14.4.03
Copy protected my ass
O disco 100th Window, do Massive Attack, foi lançado este ano pela Sony como sendo protegido contra cópias digitais. Contou-me um amigo que, ao copiar o CD com o programa Nero, esqueceu-se de desmarcar a faixa que contém os dados, e essa faixa acabou sendo copiada para o disco rígido. Os nomes das faixas foram previamente capturados pelo Nero a partir de uma database como a do FreeDB. E tal como as demais faixas do disco, a faixa de dados também tem um nome. O nome da faixa de dados do disco do Massive Attack? "Copy protected my ass!". 11.4.03
Dolce far niente
"Os deputados do Rio devem oficializar, nos próximos dias, a já comum gazeta das sextas-feiras. A Mesa Diretora encaminhou um projeto, que já recebeu apoio da maioria, para mudar o Regimento Interno acabando com a obrigatoriedade de sessões legislativas neste dia da semana. Atualmente, este dia é reservado apenas para discursos, geralmente feitos para um plenário vazio. Se o deputado não comparecer à sessão, não levará falta porque não haverá votação de projetos às sextas-feiras. (...) Além do salário de R$ 9 mil, os deputados recebem 800 litros de gasolina por mês e postagem livre para três mil selos mensais. Os que moram distante mais de 100 quilômetros do Rio recebem ainda uma ajuda de R$ 1,8 mil para aluguel de apartamento no Rio." Mais aqui. 10.4.03
Goodbye, Ruby Tuesday
Fazia falta uma mulher nesta equipe (de preferência bem apanhada e cheirosa, acrescenta Mário Zambonin). Pois bem, fazia. Caô Press recebe de braços (e pernas) abertos sua mais nova caozeira (da qual muito nos orgulhamos.) Ela se assina "erro de digitação", ou ainda "erro de". Mais com a própria. Bem-vinda, mocinha!
How north-americans play
Não era a final do campeonato? Onde está o time adversário? Cabo Matt Jamiolkowski, das forças estadunidenses, pasmo com a pouca resistência em Bagdá. Fonte: O Globo 4.4.03
This is not a blog - Parte I
Um companheiro de trabalho viu minha página na quinta-feira e me perguntou o que era. É meu blog, disse eu. Você tem um contador de visitas? Quantas visitas tem? Claro, tenho um contador, um gerador de estatísticas. Quantas visitas? Não sei. Muito cá entre nós: o que importa isso? Me perdoem, mas vou exprimir minha opinião sobre isso com uma alegoria um tanto chula; é o meio mais rápido de dizer o que penso. Qual é a buceta mais feliz: aquela que tem o maior número de freqüentadores ou... aquela que goza mais? Supondo-se é claro que não exista nenhuma relação direta entre as duas coisas.
Corra que o webmaster vem aí - Parte III
Acabo de checar novamente o código da página pelo W3C e descobri que ele está um lixo. E dizer que levei anos para aprender a fazer páginas pobres porém limpinhas! Esclareço: pobres por opção estética e por falta de talento para o design gráfico, limpinhas pelo aval do W3C. E eu levo isso a sério, pois é muito mais do que uma vaidade, e tem a ver com democracia na web. Aliás, dia desses vou escrever uma nota sobre a realização de páginas na web e sobre a importância de tópicos como planejamento, navegabilidade, acessibilidade, etc. Enfim, não estou e não posso estar muito feliz com isso. Sei trabalhar (dentro de meus limites) com html e com css, mas nunca usei modelos (templates); e o blogger tem todo um código específico que ando sem paciência para estudar. Va bene. Ao menos a página está sendo exibida corretamente nos principais navegadores - Mozilla (portanto, presumo, também no Netscape), Opera e (argh) Internet Explorer. Na minha próxima "febre de template" (doença crônica que acomete webmasters e manifesta-se em noites quentes de lua cheia) prometo que vou corrigir todos os erros que puder. Entendam tudo isso como uma longa e chata (mas não tediosa) preparação do cenário de uma festa cuja realização não está em absoluto garantida de antemão (o que torna tudo ainda mais divertido.)
With a little help from Mário Zambonin, ou Bom dia, Ozu
Expor-se por inteiro num blog (que digo, expor-se por inteiro no verbo) não equivale necessariamente a dizer o que se comeu no café da manhã. Eu sempre gostei de escrever, e sempre escrevi, mas jamais tive um "diário". Nada contra, é claro. Na quarta-feira reencontrei uma amiga do trabalho, que esteve afastada. Ela me contou que, nas últimas chuvas, metade de sua casa foi destruída num deslizamento de terra. E, quase chorando, disse-me ter encontrado forças ao pensar na minha vida. A tragédia não levou ou feriu nenhum dos seus, e isso é o que importa; e embora se trate afinal de uma banalidade, foi o que fiz questão de dizer a ela. Calei-me quanto a tudo o mais; sei que a espécie humana, nessas horas, não sabe se furtar ao gozo do sutil sentimento de crueldade que encontra sua realização num interminável interrogatório sobre os detalhes da tragédia, mas nisso, como em tantas outras coisas, dou mostras do meu pertencimento a outra espécie. Depois que nos despedimos, fiquei a pensar. Minha vida... então ela pôde confortar alguém, mesmo reduzida a um resumo de três linhas? Então... então talvez essa história mereça ser contada. Dia desses, quem sabe, e (provavelmente) não aqui. Por ora, estou menos preocupado com a minha vida, atual ou pregressa, e mais preocupado com a vida do meu pensamento. Ou melhor, com a vida do pensamento. Por sorte, a espécie humana não encontra o menor sentido em proposições como essa, o que é a melhor garantia de que este blog será sempre freqüentado por alguns poucos e seletos visitantes trazidos pelo acaso. Não, não é elitismo. Se você se considera um eleito, ótimo para você. Aqui seus valores não valem. Aqui não tem valor sua raça, credo, crenças, opiniões, leis, e mesmo o seu conhecimento, e até mesmo a sua sabedoria. Aqui você está tão nu quanto no dia em que nasceu, só que preparado para conhecer o valor da nudez. Pois é da nudez, do vazio da roda, é desse quase-nada que emerge o pensamento. Bem-vindo, Mário Zambonin. Pronto para ajudar-me a espantar os visitantes? 3.4.03
Por incrível que pareça, este é um dos primeiros blogs da Internet
(Corra que o webmaster vem aí - Parte II) Em julho de 1999, alguns meses após a inauguração de caosmos, senti a necessidade de introduzir no site um canal de comunicação diferente. Os conteúdos do sito eram estáticos (ou quase), e tinham no final das contas algum tipo de pretensão literária ou filosófica (o que não significa que fossem pretensiosos). Pois bem, eu queria construir uma página ao mesmo tempo (1) mais dinâmica e (2) sem maiores compromissos. Desse desejo surgiu a primeira versão do Caô Press. Como ainda é possível verificar, essa página só contém um breve texto introdutório e duas anotações. Apenas o suficiente para caracterizar o projeto: uma sucessão de notas em ordem cronológica reversa realizadas especificamente para o meio (Internet). Então Caô Press era um blog? Nominalmente não. Aliás, pelo que sei, a palavra "weblog" foi inventada naquele mesmo ano. Em tudo o mais, porém, é claro que Caô Press era um autêntico blog. Assim, se é verdade que os primeiros weblogs surgiram em 1999, então Caô Press foi um dos primeiros blogs da Internet, e muito provavelmente o primeiro da Internet brasileira. E daí? E daí nada. Uma vez que a Internet foi inventada, e uma vez que a Web foi inventada, estavam dadas todas as condições para que surgissem os weblogs. Era uma questão de tempo e de desejo. A primeira versão de Caô Press não é especialmente brilhante, até porque ela se propunha a ser visceralmente casual; e como tantos e tantos blogs, a página nasceu para morrer logo em seguida (morrer = deixar de ser atualizada). Mas como a História está recheada desses pequenos fatos sem qualquer importância, eis aqui uma pequena contribuição à avidez dos historiadores. 2.4.03
A julgar pelo laconismo (e pela mensagem) da última anotação, bem se vê o quão longe irá este blog se eu não tomar uma providência qualquer. Hora de respirar fundo e refletir.
Corra que o webmaster vem aí - Parte I
Em 1998 (quando caosmos foi registrado) as extensões de domínio (com, org, net, etc.) ainda se pretendiam - ao menos em teoria - reservadas para atividades diferentes: a extensão "org" para uso de organizações e instituições não governamentais sem fins lucrativos, e a extensão "net" para uso de empresas que prestassem serviços de infraestrutura na rede. Tudo isso, é claro, já virou piada, e a existência de três extensões "principais" (isso que eu estou chamando de "extensão" tem outro nome, mas esqueci) virou estratégia para render uns cobres a mais: "registre o seu domínio nas extensões com, net e org antes que um outro o faça". Humpt. E como vender nomes é um negócio da China, já inventaram um monte de extensões novas desde então. Claro, outras extensões (arre!) permanecem controladas, como a .mil (forças armadas norte-americanas) ou a .edu (instituições de ensino). Mas as extensões org e net estão aí para quem quiser usar, e elas são efetivamente usadas como uma marca: por exemplo, "org" é uma marca muito usada para transmitir a idéia de que se está isento de intenções comerciais. Outra marca interessante é a "net", que faz uma referência direta à Rede, e isso, como vocês sabem, é muito chique. Só que caosmos nasceu ".com" e vai continuar com. CaOsMos. Se alguém lembrar como é o nome correto da p* da "extensão", meta o bedelho aí embaixo. 1.4.03
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