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::::c::::a::::o::::s::::m::::o::::s:::: Caô Press

25.4.03

De como a última nota tornou-se penúltima ou De como é preciso ultrapassar a noção de finalidade ou ainda De como eu gostaria de ter conversado com Bizet antes que ele morresse de desgosto

erro de digitação comentou assim minha última nota:

O realejo: "Life is unfair... kill yourself or get over it...".
O link: A miséria da arte marginal.
O beijo: smack!

O beijo eu já retribuí. Segue-se a resposta.

...

Belíssimo o texto de Eduardo Fernandes: link mais do que pertinente (modéstia à parte, minha equipe é porreta.)

Claro, trata-se ainda de um diagnóstico, e não da cura. A cura (ou um aspecto essencial dela) está na minha nota anterior. Ou melhor: a cura está na aplicação rigorosa, implacável, incessante do texto aí embaixo na nossa vida.

Ou o filósofo é o médico da civilização, ou ele não serve para porra nenhuma. Só que para tornar-se médico ele precisa, antes de mais nada, curar-se a si mesmo. Ser implacável consigo mesmo. Cortar fundo na própria carne.

"Life is unfair... kill yourself or get over it..." Esplêndido realejo. Só que quando a gente "get over it", a gente compreende que a vida é imaculadamente justa. E nunca mais iremos babar de raiva só porque (seja no mainstream, seja na marginália) as bestas dominam a cena. Pode parecer ingênuo e mesmo piegas, mas... a criação é a sua própria recompensa.

Enfim, essa é mais uma razão pela qual eu amo a palavra escrita. Não é como no cinema, onde é tão fácil nos impedirem de realizar algo. Basta um Pentium 233 caindo de podre, como antigamente bastava lápis e papel ou uma máquina de escrever. Ninguém pode nos impedir. Mete-se um pseudônimo, inventa-se que o autor é excêntrico e foi morar na Patagônia, e permanece-se longe do burburinho. O que farão com nossa criação já não é problema nosso. E hoje há a Internet, mundo de pontas e também faca de dois gumes. De todo modo, as portas do reino estão abertas de par em par.

Já que cheguei até aqui, devo ir até o fim. Pois bem. Alguém aqui acha que este escrevinhador tem realmente a pretensão de curar a civilização? Mas é óbvio que não. E isso leva-me diretamente a algo que o Arnaldo Jabor disse outro dia na TV:

"Sem esperança não há ética, não há pensamento."

Ora, basta estudar um pouco de Spinoza (apenas o livro III da Ética) para compreender que a esperança é um sentimento absolutamente supérfluo - e mais, um sentimento a ser completamente eliminado. Tomei coragem para entrar nesse tema porque estas notas dão um bom exemplo do que estou a dizer.

O criador não espera porra nenhuma: ele age. Ele faz. Ele produz. E ele não tem qualquer poder sobre as conseqüências de sua produção. Não falo apenas das conseqüências relativas à repercussão de sua obra no mercado (Um Nobel? A insuportável puxação de saco de um círculo restrito? A inexorável poeira das bibliotecas públicas?). Falo também daquilo que mais importa, da repercussão efetiva de sua obra na alma, digo, na subjetividade de seus leitores. Haverá nela potência suficiente para mudar a vida de um único leitor sequer? Seja como for, tudo isso são apenas conseqüências, e não dizem respeito (em nada) à tarefa de criação.

Eu não tenho esperança alguma. Tudo me leva a crer que a humanidade está caminhando para o abismo, em todos os sentidos imagináveis. E daí? Esperança e desespero são as duas faces de uma mesma moeda. E a verdade é que não sabemos nada sobre o futuro ou sobre as conseqüências de nossos atos: e por isso mesmo, é preciso agir como se aquilo que fazemos pudesse fazer alguma diferença nesse contexto macabro. Mas não se trata aí de esperança. Os filmes "Nostalgia", de Tarkovski, ou "A felicidade não se compra", de Capra, nada têm a ver com esperança. Eles têm a ver, isso sim, com levar o exercício de nossa potência até o limite, ou, para falar numa linguagem mais simples, com fazer a coisa certa mesmo que isso não adiante de absolutamente porra nenhuma.

Ao matar a esperança, matamos também a decepção e o desespero. Matamos aquilo que poderia nos matar.

As utopias morreram, mas de rir. E elas morreram de rir quando alguém disse que o cinismo é a única alternativa às utopias. E se nós não estivéssemos tão preocupados com a repercussão exterior de nossos atos, saberíamos que não há outra coisa a fazer senão... fazer. Se você não fizer o mundo não se faz.



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