::::c::::a::::o::::s::::m::::o::::s:::: Caô Press |
30.5.03
La Mano de Diós: reloaded
- 'A Mão de Deus' foi roubada. - Mas é claro que foi. Futebol não se joga com a mão. - Não! Foi roubada na Argentina. - Então. Foi na Copa de... - Nada disso! Aconteceu ontem: roubaram 'A Mão de Deus', escultura de Rodin, do Museu Nacional de Belas Artes de Buenos Aires. Eu li aqui. - ...
No more Neverland
![]() Michael Jackson, o pior marqueteiro pessoal de que o showbizz tem notícia, tá durango. A nota vem do site da mtv: @ De acordo com a consultora financeira Union Finance and Investment Corp, Michael Jackson está falido. A empresa teria sido contratada pelo astro para colocar suas contas em dia. Mas parece que não teve jeito e que, só para essa consultora, Michael deve mais de US$ 12 milhões. Uála! Será que Peter Pan terá que deixar a Terra do Nunca?
Um governo de diminutivos
Garotinho, Rosinha, Fernandinho Beira-Mar*, Silveirinha, Chiquinho (da Mangueira) e agora, Sussuquinha. E o povo bem fudidinho. *updated by Mário 29.5.03
Casa grande e senzala ou Morte aos Sites de Mulherzices
Chamada para matéria no msn: O poder do improviso Festa em casa Como conseguir fazer festas decentes em casa quando se vive em um universo desprovido de mucamas ou cozinheiros com sotaque francês. Moral da história: se um dia você receber um convite para jantar na casa de uma mulher... assim... muderna, decline. Diga rápido que você tem que levar a avózinha na sessão de tai-chi ou o cachorro para castrar. As (suas) gerações futuras agradecerão.
Primeira Classe*
Durante um vôo da British Airways, uma senhora branca de aproximadamente cinqüenta anos senta-se do lado de um negro. Visivelmente perturbada, ela chama a aeromoça. - Qual o problema? Pergunta a aeromoça. - Você não está vendo? Responde a senhora. Você me colocou ao lado de um negro. Eu não consigo ficar ao lado destes nojentos. Me dê outro assento imediatamente! - Por favor senhora, acalme-se Diz a aeromoça. - Quase todos os lugares deste vôo estão tomados. Vou ver se há algum lugar disponível. A aeromoça se afasta e volta minutos depois. - Minha senhora, como eu suspeitava não há lugar vago na classe econômica. Conversei com o comandante e ele confirmou que não há mais lugares na classe executiva. Entretanto ainda temos um lugar na primeira classe. E imediatamente antes que a senhora pudesse fazer qualquer comentário, a aeromoça continua: - É totalmente inusitado a companhia conceder um assento de primeira classe a alguém da classe econômica entretanto, dadas as circunstâncias, o comandante considerou que seria escandaloso alguém ser obrigado a sentar ao lado de uma pessoa tão execrável. E dirigindo-se ao negro a aeromoça completou: - Portanto senhor, se for de sua vontade pegue seus pertences que o assento da primeira classe esta à sua espera. "E todos os passageiros ao redor que, chocados, acompanhavam a cena levantaram-se e aplaudiram". Fato acontecido num voo da British Airways (Johannesburge / Londres) *Tirei daqui. 27.5.03
Da série de posts crípticos de Helen (nesse caso, nem tão críptico assim if you know what I mean)
Shouldn't I realize You're the highest of the high and if you don't know then I'll say it So don't ever wonder Don' t ever wonder Do Maxwell's Urban Hang Suite, disco ideal pra pegar bestão de jeito. (hohoho) 25.5.03
23.5.03
I-Ching
Ganhei várias vezes da morte, isto é, inúmeras vezes os papéis que a morte representou para mim não chegaram a ser convincentes ou não chegaram a fazer grande sucesso. Matei várias mortes. Muitas delas eram diáfanas como as asas da mais tênue borboleta; não existem palavras para relatar esses duelos microscópios, instantâneos, sutis. Que se passa no coração entre duas pancadas? Paulo Mendes Campos, no fundamental (pra mim, pra mim) O amor acaba. 22.5.03
Madchen mit Grunen Strumpfen ou sonhar custa caro pracarái
![]() É rezar pro dólar cair messsmo pra poder comprar a jovem com meias verdes do tio Egon. 21.5.03
Venturosos
Não, eu não sambo mais em vão o meu samba tem cordão o meu bloco tem sem ter e ainda assim Sambo bem a dois por mim Bambo e só, mas sambo sim Gracias, hermanos, pelo disco mais inspirado (e inspirador) que ouvi nesse ano. Até agora. 20.5.03
Matou a família e nem foi ao cinema
Ontem à noite, enrolada numa manta e instalada confortavelmente no sofá, eu assistia a um documentário sobre o hinduísmo e a crença de que os homens podem reencarnar em qualquer tipo de animal. Qualquer um. Estava fazendo especulações sobre qual bichinho seria o vetor do meu come back (hohoho) quando senti uma dor aguda na coxa, como se um alfinete perdido no assento penetrasse de súbito a pele. Joguei a manta longe e procurei, fula da vida, a haste de metal. Mas o que encontrei foi uma formiguinha marrom que, após desferir-me a picada, ainda zanzava atordoada pelo local do crime. Nem pestanejei: esmaguei-a com requintes de crueldade entre o polegar e o indicador e voltei a ver o filme. Passavam imagens de monges orando e caminhando pelas ruas com as bocas cobertas por máscaras, enquanto a voz irônica do narrador informava que aquilo era para evitar que eles engolissem um antepassado reencarnado em mosca ou pernilongo. Que remorso, minha gente. Que remorso.
Dai a Cesar o que é de Cesar
D'O Globo de hoje: Prefeitura despeja ONG que oferecia cursos profissionalizantes gratuitos A prefeitura do Rio despejou ontem de madrugada a ONG Comitê Pela Vida, financiada pela prefeitura de Genebra (Suíça), que mantinha uma escola de hotelaria, com 450 alunos, no Centro de Artes Calouste Gulbenkian, na Cidade Nova. Há dez anos, a escola oferecia cursos gratuitos de garçom, barman, camareira e culinária, entre outros. Os estudantes treinavam na cozinha que funcionava no local e depois eram encaminhados a restaurantes e empresas da rede hoteleira. O prefeito Cesar Maia decidiu retirar o Comitê pela Vida para ampliar as atividades do Centro de Artes Calouste Gulbenkian. (...) A prefeitura vinha tentando retirar o Comitê pela Vida do local desde julho. A ONG conseguiu na Justiça uma liminar garantindo sua permanência, mas ela foi cassada no dia 29 de abril. A prefeitura deu um prazo para a saída do comitê até o último domingo. Como ele não foi respeitado, houve o despejo: — O centro cultural não é para ter um curso profissionalizante e especialmente para um que vende serviços. Ofereci um local alternativo, que foi a cozinha do Liceu de Artes e Ofícios — explicou o prefeito. Bravo, prefeito! A galera não precisa mesmo de aprimoramento profissional gratuito. Guggenheim neles! 17.5.03
Conselho de mãe
À porta da sala, sem ser notada, a mãe observava a filha se esfregando no namorado, o sarro domingueiro praticado com perícia e silêncio. Cadelinha, pensou a mãe. Não iria repreendê-la, mas conselho daria se possível: que escolhesse um rapaz de mãos grandes. Mãos grandes e peludas, criança, como as do açougueiro a destrinchar ossos e carnes todas as manhãs. No fio da lâmina, a precisão do talhe e o cheiro adocicado das peças dispostas na vitrina. Sorrateira, encostou a porta para a intimidade do casalzinho. Foi preparar o filé do almoço. "Comidinha caseira", de Marina Cassone. Psicografado por Helen Betsuyaku. 16.5.03
Le Roi Est Mort
Da coluna do Ancelmo Gois, n'O Globo de hoje: Isso não se faz Raymundo Faoro, mestre, morreu ontem às 7h. Uma hora depois, um escritor ligou para um acadêmico, oferecendo-se para a vaga na ABL. 15.5.03
![]() - Sempre quis saber se você fuma. Você fuma? - Não, eu não fumo. - E por quê? - Porque não se pode fumar no cinema e, se eu fumasse, não conseguiria assistir a um filme sem um cigarro. Um dos muitos diálogos issspertos do filme italiano Santa Maradona, em cartaz no canal Cinemax da Directv e (mal) reproduzido aqui. Imperdível, a começar pelo detalhe do título da película, retirado de uma canção da Mano Negra em homenagem ao Dieguito, profeta argentino (la mano de Dios...) e ex-craque do Napoli. 14.5.03
13.5.03
Pausa
De vez en cuando hay que hacer una pausa contemplarse a sí mismo sin la fruición cotidiana examinar el pasado rubro por rubro etapa por etapa baldosa por baldosa y no llorarse las mentiras sino cantarse las verdades. Mario Benedetti 12.5.03
Mal Menor: reloaded*
Fábula burlesca da criação O homem é o criador. Assim, numa noite quente de um fevereiro qualquer, consumido pela folia momesca, pelas mulatas assanhadas e falsas índias nuas, o homem criou deus. E decidiu que deus a ele falaria através da moral, da culpa e da indulgência. Dias mais tarde, chateado por ter perdido os cobres numa aposta furada na banca do bicho – jogara no avestruz, mas dera vaca na cabeça – o homem inventou o mercado. Excitado com o que tinha diante dos olhos, o homem deitou-se com o mercado, fez inchar seu ventre e em cinco minutos de dor lancinante, vinha à luz o administrador. O curioso é que o administrador, ao nascer, não chorou. Plácido, ajeitou a gravata e disse aos presentes: é preciso reduzir os custos totais. O mercado, mãe orgulhosa, lambeu sua cria. O homem arrependeu-se de não ter usado camisinha. E deus, no céu de brigadeiro, soltou uma sonora gargalhada. *Porque esse post sempre foi de caô press. Finito. 10.5.03
Starless
Vocês conhecem essa música? Ela foi gravada em 1974 num disco chamado Red, do King Crimson. Eu a ouvi pela primeira vez nesse mesmo ano, mas pode ter sido também em 75. Ainda me lembro do impacto que senti na ocasião. Há uns quatro anos atrás, quando eu jogava Age of Empires, era ela a minha trilha sonora, horas e horas a fio. Poucas músicas podem falar tão de perto à nossa alma para serem repetidas desse modo sem causar o mínimo enfado. Starless tem tudo que eu procuro numa música: melancolia, ternura, um toque francamente sombrio e momentos tão próximos do caos quanto possível. Por que estou falando disso? Não sei. Havia pensado em falar de Aron Ralston e da noção de conatus em Spinoza, mas isso é obviamente um tema para a minha tese. Há que saber deixar o leitor em paz de vez em quando. Ah, lembrei. Se é que minha morte vai dar ocasião a algum tipo de cerimônia, gostaria que tocassem um ou dois CDs que vou preparar especialmente para o deleite (ou o horror) das pobres almas que lá estarão. Nem preciso dizer que estou ouvindo Starless agora - pela quinta vez seguida - e que ela estará nesse CD. 9.5.03
Da série "Corra que o webmaster vem aí"
Pois é, acabei cedendo ao modus postandi da Helen e do Mário: séries sem numeração nas notas. É bem mais prático. Nada de ficar procurando a última nota da série para saber seu número. Hum. Acabo de ajeitar o template da pobre porém limpinha página de arquivos (eu nem sabia que existia tal coisa) e defini mais algumas coisinhas. Ficou assim: arquivamento mensal das notas; os últimos 31 dias serão mostrados na página principal (atual). Espero que a equipe goste das mudanças. E não se esqueçam: esta é... 8.5.03
Muito além de Ulisses
Tired of lying under a man one night you tore off your chemise violently and got on top of me to ride me naked. You stuck my prick into your cunt and began to ride me up and down. Perhaps the horn I had was not big enough for you for I remember that you bent down to me face and murmured tenderly "Fuck up, love! Fuck up, love!" Trecho de uma das cartas de amor (e não "dirty letters", como quer chamá-las o site) de James Joyce à Nora, sua bem-amada esposa. *Dica pinçada no weblog do no mínimo. 7.5.03
O tamanho dos documentos
Tal qual a namorada do Mário Zambonin, todos os dias recebo uma média de trinta emails não solicitados, que lotam a caixa postal de uma conta que mantenho no Hotmail. São fabulosas propostas para aumentar meus ganhos trabalhando em casa (não que eu já não faça isso, com ganhos bem mais modestos), comprar vídeos de "ninfetinhas completinhas" e, a campeã, aumentar o tamanho do meu... pênis. Um desses emails trazia um anúncio (após várias e várias tentativas do chicofux, não houve mesmo jeito de colocá-lo aqui) com um link para um tal de Programa para Aumento do Pênis e Melhora da Performance Sexual, saite bastante explicativo, aliás: O fato mais triste é que conforme você envelhece, seu pênis e sua vida sexual são uma das primeiras coisas a envelhecer também. Na verdade, "o fato mais triste" é que, apesar de médicos e cientistas afirmarem que a performance sexual não está relacionada com o tamanho do dito-cujo, centímetros a mais ou a menos parecem ter mesmo suprema importância para grande parte do eleitorado masculino. Cheguei a comentar, numa rodinha de colegas da faculdade, sobre o tipo de spams que andava recebendo. Todos caíram na gargalhada quando mencionei a estória do anúncio acima. Mas, depois que o grupo se dispersou, discretamente um dos meninos veio até mim e, muito sem jeito, perguntou se eu não poderia repassar o email a ele. Dizer o quê? "Claro, eu repasso". E pensar, depois que o sujeito foi embora, "Caralho!". 6.5.03
Conceit
It is conceit that kills us and makes us cowards instead of gods. Under the great Command: Know thy self, and that thou art mortal! we have become fatally self-conscious, fatally self- important, fatally entangled in the cocoon coils of our conceit. Now we have to admit we can't know ourselves, we can only know about ourselves. And I am not interested to know about myself any more, I only entangle myself in the knowing. Now let me be myself, now let me be myself, and flicker forth, now let me be myself, in the being, one of the gods. D H Lawrence 2.5.03
The last goodbye
Parafraseando (sem querer) o "rei", agora é pra valer. Esta é, em definitivo, minha última nota deste ano. Não que eu não goste de estar aqui, mas é que eu realmente tenho que concluir minha tese. Trata-se de algo que - em mais de um sentido - ninguém pode fazer por mim. Posso até estar louco (pouco importa), mas já cheguei num ponto de minha vida em que simplesmente não posso olhar para os lados: sinto-me invariavelmente olhando para trás. Além disso, não sou um polemista. Não é minha vocação. Que os críticos coloquem o dedo na cara uns dos outros; eu prefiro seguir sozinho, inventando meus pequenos brinquedos, minhas pequenas máquinas. Helen, Marcelo, Jorge, Mário: a bola está com vocês. Meu amor também. Até 2004.
A respeito da imortalidade (Elias Canetti)
É bom partir de um homem como Stendhal quando se fala de imortalidade privada ou literária. Seria difícil encontrar uma pessoa com maior aversão às representações correntes de fé. Stendhal foi um homem inteiramente livre das promessas e dos laços de qualquer religião. Seus pensamentos e seus sentimentos voltavam-se exclusivamente para esta vida. Ele a sentiu e desfrutou da maneira mais precisa e profunda. Ele se abriu para tudo o que podia lhe dar prazer, e isso não fez com que se tornasse insípido, porque respeitou o que havia de individual em si mesmo. Não reduziu nada a uma unidade duvidosa. Desconfiou de tudo que não era capaz de sentir. Pensou muito, mas nele não existe pensamento frio. Tudo o que registrou, tudo o que criou conserva o calor de sua origem. Ele amou muitas coisas e acreditou em algumas, mas tudo era sempre milagrosamente concreto. Tudo podia ser facilmente encontrado dentro dele, sem que tivesse a necessidade de lançar mão de algum truque. Esse homem que nada pressupunha, que sempre quis encontrar tudo através de si mesmo, que era a própria vida como sentimento e espírito, que se encontrava no centro de todo acontecimento, e que por isso também era capaz de contemplar o que acontecia de fora para dentro, no qual a palavra e o conteúdo coincidem da maneira mais natural possível, como se ele se tivesse proposto a depurar a linguagem por conta própria, esse homem excepcional e realmente livre tinha, apesar de tudo, uma fé , da qual fala de maneira tão natural e tão leve como se fosse uma amante. Ele se contentou, sem revolta, em escrever para poucos, com a certeza de que 100 anos mais tarde muitos o leriam. Nos tempos modernos não é possível conceber uma fé na imortalidade literária que seja mais clara, mais isolada e mais modesta. Que significa essa fé? Qual é o seu conteúdo? Significa que a pessoa continuará existindo quando todos os seus contemporâneos tenham deixado de existir. Não que ela esteja indisposta em relação aos vivos como tais. Eles não são eliminados, nada se faz contra eles, eles nem sequer são combatidos de alguma forma. Desprezam-se os que alcançaram uma glória falsa, mas sempre sente-se também desprezo diante da alternativa de combatê-los com os seus próprios meios. Nem sequer se sente rancor em relação a eles, uma vez que se sabe até que ponto eles estão equivocados. Opta-se pela companhia daqueles aos quais se irá pertencer algum dia; a companhia de todos os que são autores de obras lidas ainda hoje; daqueles que falam conosco, dos quais nos nutrimos. A gratidão que se sente em relação a eles é uma gratidão pela própria vida. Matar para sobreviver nada pode significar para esse estado de ânimo, porque não se trata de sobreviver agora, mas, sim, de entrar na liça apenas dentro de cem anos, quando já não se estará mais vivo pessoalmente e por conseguinte não se poderá matar. Serão as obras que se confrontarão, e será demasiado tarde para acrescentar qualquer coisa. A rivalidade propriamente dita, a que realmente importa, começa quando os rivais já não estão presentes. O combate que será travado por suas obras nem sequer poderá ser presenciado por eles. Mas essa obra precisa existir, e para que exista deve conter a maior e mais pura medida de vida. Não apenas se desdenhou a possibilidade de matar; fez-se com que entrassem para a imortalidade todos os circunstantes. Para aquela imortalidade em que tudo se torna efetivo, tanto o menor como o maior. Trata-se do oposto daqueles donos do poder que arrastam consigo para a morte tudo o que os cerca para que, numa existência futura, reencontrem tudo aquilo a que estavam acostumados. Nada caracterizava de maneira mais espantosa sua impotência íntima. Eles matam em vida, matam na morte, um séquito de mortos os acompanham para o além. Quem, porém, abrir um volume de Stendhal torna a encontrá-lo juntamente com tudo o que o rodeava, e o encontra aqui nessa vida. Assim, os mortos se oferecem aos vivos aos vivos como o mais nobre de todos os alimentos. Sua imortalidade acaba sendo proveitosa para os vivos; nessa reversão da oferenda aos mortos, todos acabam sendo beneficiados. A sobrevivência perdeu seus aspectos negativos e o reino da inimizade chega ao fim. Elias Canetti: Massa e Poder, tradução de Rodolfo Krestan, São Paulo, Ed.UB/Melhoramentos, 1983, pp. 308/309. 1.5.03
O próprio e o alheio ou Das armadilhas do eu e da inocência do pensamento ou ainda De como o desejo de ser original a qualquer custo é tão pueril quanto o desejo de ser (apenas) um anão nas costas de um gigante: um "post" para todos e para ninguém
Todos nós começamos imitando, dizia Bergson. Como se seguíssemos os trilhos de uma linha de trem, até que... tomamos uma bifurcação, distanciando-nos (insensivelmente, a princípio) do rumo inicial. E então nos damos conta de que estamos andando numa direção completamente diferente, seguindo nosso próprio caminho. É bela a imagem do filósofo francês, mas permanece sendo uma imagem: pois o desvio não existe de antemão, como nas bifurcações de uma via férrea. O desvio, a bifurcação, é preciso inventá-los. E o caráter espacial da imagem bergsoniana também pode nos levar a confusões, pois nas coisas do pensamento não existe essa linearidade peculiar aos trilhos: os trilhos do pensamento bifurcam ao infinito, e em todas as direções; e nele uma simples diferença de matiz é uma diferença de natureza. Mas não fiquemos zangados com Bergson, até porque foi ele mesmo quem nos ensinou tudo isso. Então eu olho ao meu redor e vejo que a rapaziada esqueceu-se do que é um discurso indireto livre - isso para não falar em agenciamento coletivo de enunciação, noção proposta por Deleuze e Guattari. Todos querem ser ou grandes "autores" ou grandes "comentadores", cada qual brandindo a bandeirinha surrada de seus valores "perenes" ou da "grande recusa" (discursiva, é claro) desses mesmos valores: tanto faz. Mas todos querem ser "eles mesmos", até o limite da paranóia. Porém é apenas a nossa vaidade (auxiliada, é certo, por umas quantas tolices milenares) que sustenta nossa crença na noção de autor. Na vida do pensamento (essa desconhecida) não há autor. Ou então os autores são tantos e estão tão bem misturados que é impossível dizer o que pertence a quem no meio dessa balbúrdia. Mas como dizer aos psiquiatras de plantão que a esquizofrenia (bem trabalhada) é a realidade mesma do pensamento, e não uma "doença mental"? Matar o "eu" é o mais belo dos assassinatos. Livramo-nos de uma vez só da culpa, do ressentimento, do ideal ascético, do desejo de reconhecimento, da nossa vaidade pueril. É então (e somente então) que o assassinato se torna efetivamente uma arte. Ser didático não é um problema. Não, não estou falando de Deleuze, Bergson ou Spinoza: até Nietzsche foi didático em A genealogia da moral. Escrever para a posteridade também não é problema. Quem não quer ter nada a ver com a posteridade não escreve, faz outra coisa: lê, ouve música, trepa, vai ao cinema. Ou fala e não permite o uso de gravadores. Mas como há o risco (nunca se sabe) de que as palavras permaneçam ressoando na memória dos ouvintes, a única forma (coerente) de recusar a posteridade é pelo mais absoluto silêncio. Só dizer lugares-comuns pode ser igualmente uma boa estratégia. Escrever (como demonstrou Elias Canetti) é, a seu modo, um desejo de sobrevivência. Salvo talvez para os hipócritas e para os desocupados, escrever é um desejo de participar do futuro e de estender tão longe quanto possível nossos afetos e pensamentos, nossa "influência", ainda que seja sobre meia dúzia de pessoas que nem nasceram ainda (como saber?). Sempre escrevemos para a posteridade, esteja ela confinada aos próximos cinco minutos ou aos próximos cinco séculos. E qual é o problema nisso? Quando vamos parar de gemer a propósito da vontade de potência? Quando deixaremos de ser niilistas rematados? Quando vamos encarar tudo isso com a inocência que a criança encara os seus jogos? Quando conseguirmos matar o nosso "eu". Quando finalmente começarmos a pensar, isto é, a colocar os problemas que realmente importam. Até lá, continuaremos a (nos) debater (em) falsos pobremas, ajudando a aumentar ainda mais a confusão reinante. O problema não é o imperialismo americano. O problema é que nossa potência de pensar ainda está (muito) longe de constituir um outro imperialismo: não um do tipo militar e comercial, mas um imperialismo do pensamento. Chegar a estabelecer um pensamento tão forte que derrube em definitivo os "eus" e seu falsos problemas, para não mencionar os Bushes e Saddams, atuais ou futuros. É claro que, no meio da mediocridade reinante, esse Acontecimento parece estar muito longe, e é mesmo possível que ele não chegue jamais. Mas então - se nos faz falta um povo (de pensadores), se a própria humanidade ainda não existe - como não escrever para a posteridade?
Fim de uma era
Leiteria Silvestre não resiste à violência por Alba Valéria Mendonça Até a sexta-feira da semana que vem, o Centro vai perder mais um pouco do charme de seus áureos tempos. Por causa da violência que vem afugentando os clientes há cerca de dois anos, a tradicional Leiteria Silvestre — atualmente Café Silvestre — vai fechar suas portas. A casa, aberta em 1908 e que ficou famosa pelos cafés da manhã e lanches que servia, não resistiu à agruras dos novos tempos: principalmente os constantes conflitos entre camelôs e guardas municipais e os ataques de menores aos clientes. A queda no movimento não deixou outra opção ao proprietário José Pereira Lopes.(...) Adeus, creme de maisena. :-( |