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5.3.04
Henri-Louis Bergson (1859-1941)
Tendo sido um dos filósofos mais célebres de sua época, Henri Bergson "caiu em desgraça" após o término da Segunda Guerra mundial, mas foi (está sendo) "reabilitado" graças a Gilles Deleuze, que entre outros textos publicou, em 1966, "Le bergsonisme". No Brasil, eu fui um dos primeiros (ou talvez o primeiro, mas isso não tem nenhuma importância) a participar dessa "reabilitação" com minha dissertação de mestrado "A noção de virtualidade em Bergson", em 1996. O trecho que reproduzo a seguir (não da minha dissertação, mas do próprio Bergson) mostra ao mesmo tempo a força e a beleza do texto desse grande pensador francês. Não é incomum que eu abra seu livro nessa passagem e, por força das lembranças, comece a chorar antes mesmo de iniciar a leitura. Não se iludam, porém, com a ternura que alguns de seus textos (como este) inspiram. Bem compreendido, o pensamento de Bergson possui uma força comparável à de Lucrécio, Spinoza, Nietzsche e Max Stirner. Infelizmente, sua delicadeza extrema afasta-o cada vez mais da nossa sensibilidade bárbara, digo, moderna. "Nossa liberdade, nos próprios movimentos pelos quais se afirma, cria hábitos nascentes que a sufocarão se ela não se renova por um esforço constante: o automatismo a espreita. O pensamento mais vivaz congelará na fórmula que o exprime. A palavra se volta contra a idéia. A letra mata o espírito. E nosso mais ardente entusiasmo, quando se exterioriza em ação, fixa-se por vezes tão naturalmente num frio cálculo de interesse ou de vaidade, um adota tão facilmente a forma do outro, que nós seríamos capazes de confundi-los, duvidar de nossa própria sinceridade, negar a bondade e o amor, se não soubéssemos que o morto guarda ainda durante algum tempo os traços do vivo. A causa profunda dessas dissonâncias jaz numa irremediável diferença de ritmo. A vida em geral é a própria mobilidade; as manifestações particulares da vida não aceitam essa mobilidade senão a contragosto. Aquela vai sempre adiante; estas gostariam de marcar passo [piétiner] no mesmo lugar. A evolução em geral se faria, tanto quanto possível, em linha reta; cada evolução especial é um processo circular. Como turbilhões de poeira levantados pelo vento que passa, os vivos giram sobre si mesmos, suspensos no grande sopro da vida. Eles são relativamente estáveis, e mesmo simulam tão bem a imobilidade que nós os tratamos como coisas mais do que como progressos, esquecendo que a própria permanência de sua forma não passa do desenho de um movimento. Por vezes, contudo, materializa-se diante de nossos olhos, numa aparição fugidia, o sopro invisível que os carrega. Nós temos essa iluminação súbita perante certas formas de amor materno, tão impressionante, tão comovente também na maior parte dos animais, perceptível até na solicitude da planta para com sua semente. Esse amor, no qual alguns viram o grande mistério da vida, talvez nos expusesse o seu segredo. Ele nos mostra cada geração debruçada sobre aquela que a seguirá. Ele nos deixa entrever que o ser vivo é sobretudo um lugar de passagem, e que o essencial da vida está no movimento que a transmite." Henri Bergson, L'Evolution Créatrice, IN Oeuvres, Paris, PUF, 1984 (1959), p. 603/128. Tradução minha. Existem duas traduções desse livro (A Evolução Criadora) para o português; ele foi publicado pela primeira vez em 1907, ganhou o prêmio Nobel de literatura em 1927 e foi reeditado centenas de vezes na França. P.S. (17/03 - 6:15) Há alguns dias Guilherme sugeriu-me que publicasse minha dissertação numa "livraria virtual". Achei a sugestão muito simpática e fico agradecido por ela, mas isso não funcionaria. Odeio a idéia de ficar contando uns trocadinhos, sobretudo enquanto terceiros lucram com o meu trabalho e prováveis leitores duros ficam chupando o dedo: prefiro oferecer a minha dissertação de graça, "sob os termos da LPC". Lá para o final do ano ela estará online, muito embora sem qualquer revisão, já que tenho outros projetos para tocar. |