::::c::::a::::o::::s::::m::::o::::s:::: Caô Press |
18.4.04
Web Deleuze Brasil
Hoje foi publicada a minha tradução da aula de 24/01/1978, em que Deleuze explica o que é idéia e afeto em Spinoza. Trata-se de uma aula de grande interesse - tanto para filósofos quanto para não-filósofos. Também foi lançado hoje (oficialmente) o blogue webdeleuze.BR. Que mais posso dizer? Ah, claro. Alessandro: muito bom conhecê-lo pessoalmente. Ainda vamos comer muito aipim frito com manteiga e montar muitas máquinas abstratas (capazes de produzir efeitos muito concretos). Um abraço! 17.4.04
O impacto da Ética de Spinoza em nossas vidas
Estive durante alguns dias conhecendo o orkut, where the elite meet, como diria Margo Channing. Mas não é hora de falar sobre isso. Quero apenas traduzir uma resposta que deixei numa comunidade sobre Spinoza. A pergunta era a seguinte: "O poder de qualquer filosofia ética mede-se pelo seu impacto na nossa vida real. Assim, algum dos leitores de Spinoza que estão aqui sente que formou uma idéia adequada do "Deus" de Spinoza e que essa idéia fez por ele o que o livro cinco Ora, essa pergunta está baseada numa falácia. Seu argumento seria mais ou menos o seguinte: o impacto ético da filosofia de Spinoza só acontece quando atingimos o chamado terceiro gênero de conhecimento (idéias que exprimem a essência de Deus, das coisas exteriores e de nós mesmos); isso é muito difícil (como o próprio Spinoza adverte na última frase da Ética); logo, o livro de Spinoza não tem nenhum impacto na nossa vida de todos os dias. Portanto, uma pergunta bastante maldosa. Minha resposta, porém, foi serena e amistosa: Como você sabe, existem três tipos de idéias. Deus é uma essência singular, e portanto sua idéia pertence ao terceiro gênero de conhecimento, o mais elevado. Porém as noções comuns (segundo gênero de conhecimento) também são idéias adequadas. Assim, se alguém consegue formar noções comuns, ele/ela já está acima do primeiro gênero de conhecimento - e a maioria de nós, como você também sabe, está presa a esse tipo de conhecimento, que define nossa escravidão. Portanto, a Ética terá o mais alto "impacto na nossa vida real" se conseguirmos alcançar o terceiro gênero de conhecimento, já que ele exprime o mais alto nível de conhecimento; porém esse impacto começa com o segundo gênero. Em outras palavras, ninguém pega numa guitarra pela primeira vez e toca como Hendrix - nem mesmo Hendrix. A razão é uma conquista progressiva. Tudo isso está bem explicadinho numa aula de Deleuze sobre Spinoza que estará disponível aqui em breve. Mas nós... nós dizemos "o sol derrete a cera e endurece a argila" e, ao dizer isso, pensamos estar entendendo alguma coisa. Não entendemos nada ainda. Isso é o primeiro gênero de conhecimento, é a mera constatação de um efeito, e não um conhecimento pelas causas. Conhecer? Entender? Nós temos preguiça até de fazer uma simples consulta ao dicionário! Tá bom, então. Mas não vale reclamar depois. Não comigo. A moleza acabou. Agora eu só quero ao meu lado aqueles para os quais o estalar do chicote é música. 7.4.04
Borges en el cine
Em Sabotador (Hitchcock, 1942, com Robert Cummings, Priscilla Lane, Otto Kruger), há um homem velho, cego e muito sábio. Obviamente, ele não é o próprio Borges, mas poderia ser. Só por isso, esse é o meu Hitchcock predileto. In Saboteur (Hitchcock, 1942, with Robert Cummings, Priscilla Lane, Otto Kruger), there is an old, blind and very wise man. He is not Borges himself, of course, but could be. This is the Hitchcock I like the most, just for that. 4.4.04
Uma péssima notícia para George Michael
George Michael revelou que ele e seu companheiro Kenny Goss transam freqüentemente com outros homens. "Nenhum de nós pratica a monogamia. Bem, se algum de vocês pratica, é muito triste, não?" (Fonte: Mundo Mix) O que é a moral? A definição mais simples possível de moral é: supor que temos uma essência a ser realizada e supor que a adesão a determinados valores conduz à realização dessa essência. Não quero me estender sobre isso agora; hoje ficaremos somente num exemplo. Durante séculos a moral vigente dizia: "A essência da sexualidade humana só pode realizar-se no casamento monogâmico, e qualquer outra maneira de conduzir um relacionamento amoroso é imoral, indecente e indigno da condição humana." Pois bem. Hoje a moral diz: "A essência da sexualidade só pode realizar-se na multiplicidade de parceiros; a monogamia é careta, tediosa e triste." Essa é a idéia que a mídia nos vende e que nós, pobres sujeitos simplórios e ingênuos, aceitamos alegremente, achando que com algumas trepadas escaparemos ao plano da moral. Só que continuamos pensando em termos de uma essência e sua realização, e continuamos a julgar os outros a partir de nossos próprios valores ao invés de entender a singularidade dos afetos. Não, senhor George Michael. Triste é trepar mal, é trepar sem vontade. Triste é não fazer de cada trepada a mais intensa celebração da vida. O resto é balela de moralistas, seja lá qual for a idéia que tenham sobre a "essência" da sexualidade e sobre os valores capazes de realizá-la. E sob esse ponto de vista, meu caro, não há nenhuma diferença entre você e o mais empedernido e ensebado representante do velho mundo: ambos são reacionários da pior espécie, ambos querem nos vender os seus próprios valores como se fossem valores universais. E se trepar mal é triste, muitíssimo mais triste é a moral e seu séquito de valores, a moral e o sistema do juízo. Meus leitores, sagazes que são (ou não seriam meus leitores), já devem a esta altura estar aplicando o mesmo raciocínio a outras questões para ver se ele funciona. Por exemplo: um heterossexual que proclame a heterossexualidade como sendo a "verdade" da sexualidade humana é tão estúpido e moralista quanto um bissexual que proclame a bissexualidade como "verdade" da sexualidade humana. Pois não há verdade da sexualidade humana, assim como não existe "opção" sexual: o "livre arbítrio" simplesmente não existe, e a liberdade, como demonstrou Spinoza, é algo muito mais complexo. O problema dos valores (e do valor dos próprios valores) é talvez o mais delicado e crucial problema da existência. Aderir a valores - quaisquer que sejam - é a morte (niilismos negativo e reativo): julgar, julgar, julgar tudo e todos em nome de nossos valores, até que terminemos por nos matar em nome deles. Abominável necessidade de julgar. Mas recusar todos os valores também pode ser a morte (niilismo passivo e niilismo ativo sob seus aspectos mais destrutivos). O desafio supremo é passar do plano da moral ao plano ético, do plano da palavra de ordem ao plano do entendimento. Se não estivermos à altura desse desafio, ou morreremos todos ou viveremos todos uma existência de pesadelo. É isso. Vou deixar para vocês uma última dica. É horrível levar-se a sério, é horrível ser um homem vaidoso e inflado como um pavão - mas quem se leva a sério é justamente o homem entupido de valores. Relaxem. Riam de si mesmos. Mas o pensamento, ah, o pensamento, levem-no mortalmente a sério. Compreendam esse paradoxo antes que seja tarde para todos nós. E agora, a despedida. Adoro escrever, é algo que faço com gosto e paixão. E publicar com tanta facilidade o que escrevo, como faço aqui, simplesmente "porque sim", pela gozo da expressão e não por uma finalidade qualquer, realmente me dá tesão. Mas agora eu realmente tenho que ir. Tenho que terminar minha tese, e esta é minha última chance para fazê-lo. Voltarei apenas para anunciar algumas traduções que estou fazendo, e depois em agosto ou setembro, para convidar todo mundo para a defesa. Forte abraço e até lá. P.S. (18/04/2004) - Relendo este texto percebi que um ponto essencial não ficou tão bem explicado quanto poderia. Trepar com várias pessoas ou trepar com uma só pessoa é uma questão de afeto: afetar-se por várias pessoas, afetar-se por uma só pessoa. Mas quando tentamos transformar os nossos afetos, que são sempre singulares, em regras universais, quando desqualificamos os afetos alheios em função dos nossos, nós estamos estabelecendo valores, e portanto recaindo no plano da moral. É por isso que (por exemplo) a primeira regra do eterno retorno (faça o que quiser, mas faça-o de tal modo - com tal intensidade - que você seja capaz de querer seu eterno retorno) não é um preceito moral, mas uma regra ética (aliás uma paródia do imperativo categórico kantiano). Trata-se porém apenas da primeira regra. A segunda é ainda mais decisiva, porém bem mais complicada. Um capítulo da minha tese será dedicado a esse tema. 3.4.04
1964
I Ya no es mágico el mundo. Te han dejado. Ya no compartirás la clara luna Ni los lentos jardines. Ya no hay una Luna que no sea espejo del pasado, Cristal de soledad, sol de agonías. Adiós las mutuas manos y las sienes Que acercaba el amor. Hoy sólo tienes La fiel memoria y los desiertos días. Nadie pierde (repites vanamente) Sino lo que no tiene y no ha tenido Nunca, pero no basta ser valiente Para aprender el arte del olvido. Un símbolo, una rosa, te desgarra Y te puede matar una guitarra. II Ya no seré feliz. Tal vez no importa. Hay tantas otras cosas en el mundo; Un instante cualquiera es más profundo Y diverso que el mar. La vida es corta Y aunque las horas son tan largas, una Oscura maravilla nos acecha, La muerte, ese otro mar, esa otra flecha Que nos libra del sol y de la luna Y del amor. La dicha que me diste Y me quitaste debe ser borrada; Lo que era todo tiene que ser nada. Sólo que me queda el goce de estar triste, Esa vana costumbre que me inclina Al Sur, a cierta puerta, a cierta esquina. Spinoza Las traslúcidas manos del judío Labran en la penumbra los cristales Y la tarde que muere es miedo y frío. (Las tardes y las noches son iguales.) Las manos y el espacio de jacinto Que palidece en el confín del Ghetto Casi no existen para el hombre quieto Que está soñando un claro laberinto. No lo turba la fama, ese reflejo De sueños en el sueño de otro espejo, Ni el temeroso amor de las doncellas. Libre de la metáfora y del mito Labra un arduo cristal: el infinito Mapa de Aquél que es todas Sus estrellas. Jorge Luis Borges (El otro, el mismo - 1964) 2.4.04
Image-making love
And now the best of all is to be alone, to possess one's soul in silence Nakedly to be alone, unseen is better than anything else in the world, a relief like death (...) Always in the eyes of those who loved me I have seen at last the image of him they loved and took for me mistook for me. And always it was a simulacrum, something like me, and like a gibe at me. So now I want, above all thing to preserve my nakedness from the the gibe of image-making love (D. H. Lawrence) 1.4.04
Golpes virtuais
Esta história é para aqueles que se interessam em compreender como certas coisas funcionam na Internet. Eu criei, há alguns anos, uma conta de email exclusivamente dedicada à manutenção de caosmos. Uma vez que eu não a divulgava e não a usava para mais nada, era mínima a quantidade de SPAM que recebia através dela; para que se tenha uma idéia, entre 7 de abril de 1999 e as duas primeiras semanas de 2004 recebi somente uns quarenta emails comerciais não solicitados. Menos de dez por ano. Muito bem. Como já informei, o antigo sítio de caosmos foi sumariamente apagado pelo antigo provedor (www.virtualave.net), que deixou de oferecer planos de hospedagem "gratuita". Até aí, nada de mais: é bastante óbvio que o modelo de negócios desse provedor (baseado em propaganda) simplesmente passou a não funcionar, e agora ele é mais um entre milhares de provedores tentando vender planos de hospedagem de sites. Pois bem: o antigo sítio foi apagado em 13 de janeiro deste ano, e entre 20 de janeiro e 20 de março eu recebi nada menos do que 1.750 correspondências não solicitadas. Isso mesmo: mil e setecentos e cinqüenta SPAMs em apenas dois meses. Portanto... se algum de vocês insinuar que o antigo provedor vendeu parte de seu banco de dados de emails (a parte relativa aos antigos clientes da hospedagem "gratuita") para todos os spammers do planeta, eu direi somente que, afinal de contas, esses clientes tinham uma opção: comprar um plano de hospedagem. Se eles não o fizeram, problema deles, não é mesmo? É claro que nem me dei ao trabalho de apagar os emails: apaguei a própria conta de email. Mas aqueles que criaram seus sítios usando seus preciosos endereços pessoais (e não compraram um plano de hospedagem oferecido na base do "ou dá ou desce") não devem estar nem um pouco satisfeitos. É a face negra do caô. E já que estamos falando de golpes virtuais (porém reais, muito reais), não deixem de ler esta matéria de Paulo Henrique Amorim. Uma última coisa. O modelo de negócios na Internet (baseado em propaganda) não foi por água abaixo. Veja-se, por exemplo, o sucesso dos planos de publicidade do Google. O que foi por água abaixo foi o modelo de publicidade realizado por meio dos famigerados pop-ups. Ninguém suportava mais aquilo. Hoje em dia, quem não usa um bloqueador de pop-ups para o IE usa os excelentes navegadores Mozilla e Opera, que bloqueiam automaticamente essas porcarias. Mas por que eu estava escrevendo esta nota? Ah, claro: como a maior parte da biblioteca de caosmos foi "queimada" juntamente com o antigo sítio, coloquei o que restou dela entre os atalhos de caosmos. Lá para o final do ano a biblioteca será reformulada e atualizada. Entre as novidades, uma edição bilíngüe (alemão-inglês) do Zaratustra. |