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27.6.04
EL LIBRO SE HACE CASI UN HOMBRE
Para todo escritor es siempre una cosa nueva y sorprendente que su libro, una vez que se ha separado de él, continúe viviendo con vida propria; esto le enoja como si una parte de un insecto se separase y siguiese desde entonces su proprio camino. Quizá le olvidará casi completamente, quizá se elevará por encima de las concepciones que allí ha depositado, quizá no le volverá a oír más y habrá perdido ese impulso con que volaba cuando concebía el libro; sin embargo, el libro se busca lectores, inflama existencias, proporciona felicidad, espanto, produce obras nuevas, llega a ser el espíritu de nuevas acciones; en suma, vive como un ser dotado de espíritu y de alma, y, sin embargo, no es un hombre. Puede decirse que el más afortunado destino del autor es que cuando sea viejo pueda decir que todo lo que en él había de ideal, de sentimiento creador, de vida, fortalecedor, edificante, luminoso, vive aún en sus obras, y que él ya no es más que la ceniza gris, mientras que el fuego se ha conservado y se propagado por todas partes. Ahora bien: si pensamos que toda acción humana, y no solamente un libro, se convierte en cierto modo en ocasión de otras acciones, decisiones, pensamientos y que todo lo que se hace se enlaza indisolublemente con lo que se hará, reconoceremos la verdadera "inmortalidad" que existe: la del movimiento; lo que una vez ha sido puesto en movimiento está en la cadena total de todo el ser, como un insecto encerrado y eternizado en el ámbar. NIETZSCHE - Humano, demasiado humano, Vol. I, tradução de Eduardo Ovejero y Maury, Buenos Aires, M. Aguilar, 1948, p. 167 (208). 25.6.04
Pena que a fome não passe
Misturar acupuntura (um saber milenar de eficácia comprovada) e astrologia (hum...) no mesmo saco me soa a sacanagem. Mas tudo bem. Va bene. Porém o bloco do Globo Repórter (que acaba de terminar) que mais me chamou a atenção foi aquele que relata a prática da sugestão no combate à obesidade. Foi assim: uma senhora (bem) acima do peso relatou que, depois de imaginar-se comendo um monte de pães saborosíssimos, sente-se saciada e sem vontade de comer. Não, eu não sou besta de imaginar que isso não funcione. Mas... e quando o problema é desnutrição? E quando não se tem aquela capa de gordura bacana para queimar? Em certa ocasião esse filósofo [Diógenes, o cínico] masturbava-se em plena praça do mercado e dizia: "Seria bom se, esfregando o estômago, a fome passasse!" Diógenes Laércio - Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres, traduzido do grego por Mário da Gama Kury, Brasília, UnB, 1988, p. 163. 20.6.04
Desejo de matar
Hoje, domingo, uma leitora d'O Globo (Niterói) narrou na seção de cartas como sua filha perdeu o celular e outros pertences num assalto a um ônibus, e depois escreveu o seguinte: "Não seria a hora de o Brasil começar a pensar na possibilidade de tornar a pena de morte legal? Sou contra a violência, mas..." Na sexta-feira passada a polícia matou (ao menos) um rapaz no Morro do Palácio. Ele foi morto com (ao menos) um tiro na cabeça. Pelo que pude apurar, ele era muito jovem e de boa índole, mas estava de fato envolvido com o tráfico. A julgar pela falência de nosso sistema educacional, judicial e prisional, isso é tudo o que temos a oferecer uns aos outros: morte. E já que é assim, a partir de hoje eu sou a favor da pena de morte para todos os envolvidos em desvios de verbas públicas. Para todos os envolvidos, ou seja, não apenas para os servidores públicos. Prisão perpétua já seria interessante, é claro, mas... precisamos de mais do que isso, precisamos fazer nossa revolução francesa. Digamos que se trata de um programa emergencial para um país cheio de miséria e que está em plena guerra civil. A pena pode ser aplicada para desvios de valores acima de um salário mínimo, simplesmente para poupar o barnabé que roubou um grampeador da repartição. Acima disso, guilhotina. E estamos conversados. 17.6.04
Esboço para um prefácio ao livro de um amigo
Por que alguém contaria num romance a história de sua vida? Escrever não é mergulhar num virtual, e retirar de si mesmo uma infinidade de vidas embrionárias, atualizando e explicando (no sentido etimológico da palavra) autênticas entidades, seres não-nascidos tão diferentes entre si quanto uma galáxia de outra, criando todo um mundo de diferenças absolutamente real porque originado na mesma fonte de onde saem todos os mundos conhecidos e desconhecidos? Poderia ser vaidade se se tratasse ainda de exaltar um eu que se reconheceria e se faria reconhecer na trama de uma narrativa, do prazer de exibir ao mundo uma trajetória épica pela qual o escritor forjasse uma identidade gloriosa. Mas se o eu em questão já foi humilhado e destroçado impiedosamente, se dele já não resta senão um simulacro, preservado exclusivamente para ludibriar os psiquiatras de plantão, então sentimos que não é disso que se trata. Mas então... por quê? Em primeiro lugar, pode-se invocar a experiência. Quem escreve sobre sua vida escreve sobre acontecimentos, sobre vivências, e não sobre meros fantasmas subjetivos. Só que não há diferença essencial entre a experiência de um puro virtual que se atualiza e a experiência que carregamos em nossa carne e em nossa alma. E é justamente por isso que a literatura pode ser uma experiência tão intensa, para quem lê e sobretudo para aquele que escreve: pois trata-se de (imprevisível) produção de real, e não de produção de fantasmas. Assim, se nem mesmo a experiência é um critério suficiente, aquele que escreve sobre sua vida há de ter um motivo muito bom para fazê-lo. Obviamente, ter tido uma vida, e não uma dessas contrafações com as quais geralmente nos contentamos, parece-me constituir uma condição necessária. Mas a condição necessária está longe de ser uma condição suficiente, e para dificultar tudo, não há como ensaiar uma resposta universalmente válida. Cada qual que está a escrever sobre sua vida que ensaie a sua, se é que isso lhe parece realmente importante. Pois a única questão decisiva é saber se iremos escrever - seja lá sobre o que for - com nossos fantasmas ou com nosso sangue. "É a arte de uma classe dominante, essa prática do vazio como economia de mercado: organizar a falta na abundância da produção, fazer todo desejo cair no grande medo de faltar, fazer o objeto depender de uma produção real que se supõe exterior ao desejo (as exigências da racionalidade), enquanto a produção do desejo passa para o fantasma (nada além do fantasma)." DELEUZE e GUATTARI - L'Anti-Oedipe, Capitalisme et Schizophrénie, Paris, De Minuit, 1972, p. 29. 14.6.04
"A única medida do amor, diz Santo Agostinho, é amar sem medida; melhor ainda, a própria ausência de medida é que é a medida... A desmedida não poderia, então, ser o objeto de uma interdição quando se trata do amor. E é por isso que a fobia de um amor "imoderado" já implica uma restrição injuriosa, uma mesquinhez irrisória, uma espécie de sordidez merceeira. (...) As palavras fadiga, excesso, exagero não têm mais lugar aqui; o amor as abandona à timidez pequeno-burguesa; ele não tem medo de passar da medida nem de transpor um limite; o limite recua à medida de seu impulso. O impetus amoroso nada quer saber do regulador que, na ocasião, compensaria os transbordamentos; sua única lei é o cada-vez-mais, que se exalta e embriaga de si mesmo, como um furor sagrado: sua única lei é o crescendo frenético e o acelerando, e o precipitando que vai até a vertigem e arrisca finalmente fazer tudo explodir."
Vladimir Jankélévitch - O Paradoxo da Moral, tradução de Helena Esser dos Reis, São Paulo, Papirus, 1991 (1981), pp. 75-76. 11.6.04
Hit the road, Jack
Como diz Samuel Butler, como podemos dizer que Händel morreu se ele continua atraindo milhares de pessoas às salas de concertos? Portanto, é totalmente falsa a notícia do jornal (mas quem ainda acredita em jornais, não é mesmo?). Ray Charles não morreu coisíssima nenhuma. Apurem os ouvidos e - ouçam. Porém o que haveria de mais óbvio do que transcrever aqui uma música de Ray Charles em sua homenagem? Não. Vamos fazer uma homenagem diferente. Vamos de Cartola, outro que só morrerá - ou melhor, só será esquecido - quando o gênero humano desaparecer e já não houver ninguém para cantar a história. É uma canção de despedida, de definitiva despedida. Ficam Butler, Cartola, Ray Charles, vão-se os maus. Pois hoje (ontem), durante um pôr-do-sol nas areias de Ipanema, finalmente descobri (de maneira sublime) que já vão tarde, tarde até demais. E o melhor de tudo: já não sinto nenhuma pena. Tese e amor. Nada mais. Ainda é cedo amor Mal começaste a conhecer a vida Já anuncias a hora da partida Sem saber mesmo o rumo que irás tomar Preste atenção querida Embora saiba que estás resolvida Em cada esquina cai um pouco a tua vida Em pouco tempo não serás mais o que és Ouça-me bem amor Preste atenção, o mundo é um moinho Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos Vai reduzir as ilusões a pó Preste atenção querida De cada amor tu herdarás só o cinismo Quando notares estás à beira do abismo Abismo que cavastes com teus pés 8.6.04
Cirurgias reparadoras gratuitas - UFRJ
Crianças de até 12 anos, comprovadamente de baixa renda, moradoras de qualquer município do Estado do Rio de Janeiro, portadoras de deformidades inestéticas diversas (lábio leporino, fenda palatina, cicatrizes, seqüelas de queimaduras, seqüelas de violência, síndromes e outras), poderão beneficiar-se com cirurgias corretivas GRATUITAS. O primeiro passo é fazer um cadastro no CNEP (http://www.cnep.org.br) ou entrar em contato com Michelle Lima - (21) 2223-0290. Se você conhece alguma criança nas condições descritas acima, ajude-a, indicando este serviço ao seu responsável. O projeto já beneficiou mais de cento e vinte crianças, por meio de quase duzentas cirurgias. 6.6.04
Último desejo (nota fúnebre)
Quando eu morrer, façam do meu corpo o que quiserem: queimem, enterrem, entreguem aos urubus - não sem antes, claro, aproveitar dele o que puder ser aproveitado. Só faço questão de uma coisa: que haja velório (pouco importa o local) e que nele se toque um CD que estou preparando. Nada de padres, pastores ou rabinos, a não ser que se disponham a ficar quietos. Leituras de textos outros - de poesia a notícias das páginas de esportes - serão bem-vindas. Quanto ao CD, ainda não sei exatamente que músicas entrarão nele, mas algumas já estão praticamente certas: Frank Zappa - Filthy Habits (do disco Sleep Dirt) Pink Floyd - A Saucerful of Secrets (versão em estúdio, do disco homônimo) Nadejda Hvoineva - Izlel e Delio Haidutin (do disco Le Mystère des Voix Bulgares, vol. 3) Ravi Shankar & Philip Glass - Meetings Along the Edge (do disco Passages) King Crimson - Starless (do disco Red) Astor Piazzolla - Concierto para quinteto (do disco Hora Zero) A princípio, a ordem acima está boa. Eu adoraria incluir nessa lista o Introitus do Réquiem de Mozart, mas como seria óbvio demais, esqueçam. Ah, caso eu me mate - isso é extremamente improvável, mas nunca se sabe - incluam mais estas duas: Roberto Goyeneche - Solo (do disco Tangos del Sur) Roberto Goyeneche - Como abrazado a un rencor (idem) Como abrazado a un rencor Tango (1930) Música: Rafael Rossi Letra: Antonio Miguel Podestá (El Gauchito) (recitado) "Está listo", sentenciaron las comadres - y el varón, ya difunto en el presagio, en el último momento de su pobre vida rea, dejó al mundo el testamento de estas amargas palabras piantadas de su rencor... (cantado) Esta noche para siempre terminaron mis hazañas un chamuyo misterioso me acorrala el corazón, alguien chaira en los rincones el rigor de la guadaña y anda un algo cerca 'el catre olfateándome el cajón. Los recuerdos más fuleros me destrozan la zabeca: una infancia sin juguetes, un pasado sin honor, el dolor de unas cadenas que aún me queman las muñecas y una mina que arrodilla mis arrestos de varón. Yo quiero morir conmigo, sin confesión y sin Dios, crucificado en mis penas como abrazado a un rencor. Nada le debo a la vida, y nada le debo al amor: aquélla me dio amargura y el amor, una traición. Yo no quiero la comedia de las lágrimas sinceras, ni palabras de consuelo, no ando en busca de un perdón; no pretendo sacramentos ni palabras funebreras: me le entrego mansamente como me entregué al botón. Sólo a usté, vieja querida, si viviese, le daría el derecho de encenderle cuatro velas a mi adiós, de volcar todo su pecho sobre mi hereje agonía, de llorar sobre mis manos y pedirme el corazón... 4.6.04
Paralelismo
"O espírito agarra-se por preguiça e por constância àquilo que lhe é mais fácil ou mais agradável: esse hábito sempre impõe limites aos nossos conhecimentos, e ninguém jamais se deu ao trabalho de estender e de conduzir seu espírito tão longe quanto ele poderia ir." LA ROCHEFOUCAULD - Réflexions ou Sentences et Maximes Morales, 482, Paris, Bordas, 1949 (1655), p. 79. "Ninguém até agora determinou o que pode um corpo." SPINOZA - Éthique, trad. Charles Appuhn, Paris, Garnier Frères, 1934 (1675), tomo I, p. 251 (Livro III, Prop. 2, Escólio) Trata-se de mostrar que o corpo ultrapassa o conhecimento que dele temos, e que o pensamento igualmente ultrapassa a consciência que dele temos. É portanto por um único e mesmo movimento que nós chegaremos, se isso é possível, a apreender a potência do corpo para além das condições dadas de nosso conhecimento, e a apreender a potência do espírito para além das condições dadas de nossa consciência." DELEUZE - Spinoza: Philosophie pratique, Paris, De Minuit, 1981 (1970), p. 29. P.S. - Acabo de ler no Jornal do Brasil que a partir de 1º de maio livros e periódicos importados passaram a sofrer tributação de 9,25% (PIS/Cofins). Em compensação, há isenção de imposto, por exemplo, para sêmen e embriões de bois. Foi-se o tempo em que um país era feito com "homens e livros". Hoje um país se faz com chacinas, estupidez e muita porra de boi. 1.6.04
Para além dos signos mundanos e dos signos do amor
"As coisas chegaram a um ponto que se pode dizer que, assim como em outras épocas a juventude corria atrás do amor, tinha sonhos de ambição, de êxito material, de glória, hoje ela tem um sonho de vida; e é atrás da vida que ela corre, mas essa vida ela a persegue, se se pode falar assim, em sua essência: ela quer saber porque a vida está doente, e o que apodreceu a idéia da vida." ARTAUD - Messages révolutionnaires, Paris, Gallimard, 1979 (1936), p. 37. "O que é uma essência, tal como revelada numa obra de arte? É uma diferença, a Diferença última e absoluta. É ela que constitui o ser, que nos faz conceber o ser. Por isso a arte, na medida em que manifesta as essências, é a única capaz de nos dar o que nós procuraríamos em vão na vida: 'A diversidade que eu havia buscado em vão na vida, nas viagens...' 'Não existindo na Terra o mundo das diferenças, entre todos os países que nossa percepção uniformiza, com mais forte razão não existe no mundo elegante. Existe ele, aliás, em alguma parte? O séptuor de Vinteuil parecia ter-me dito que sim.' (...) Apenas a arte nos dá aquilo que esperaríamos em vão de um amigo, aquilo que teríamos esperado em vão de um amado." DELEUZE - Proust et les signes, Paris, PUF, 1993 (1964), p. 53-54, 55. |