::::c::::a::::o::::s::::m::::o::::s:::: Caô Press |
9.7.04
Trecho de uma carta a um amigo que escreveu um poema absolutamente fantástico
Nietzsche disse que não temos olhos (e ouvidos, etc.) senão para aquilo de que temos a experiência. E o que é um poema, ao menos segundo meu entendimento torpe e possivelmente abstrato a respeito do que é um poema, senão o registro de uma experiência? Se bem que a experiência se faz ao mesmo tempo em que se registra, do mesmo modo que se dá ao leitor no tempo mesmo em que se decifra ou se desvela; logo, ai daquele que escreve mal: além de estropiar suas próprias experiências num mal-dito mal-acabado, o mau escritor irá turvar a experiência do leitor, acaso exista, ainda que virtual, e não faz diferença se prévia deveras ou inventada (ou reinventada) pelo próprio poema. Quem escreve não pode descansar no relativo, por mais que este saiba simular um absoluto; o muito perto é ainda longe demais; nada senão o mergulho num absoluto pode contentar o escritor e portanto encantar ou assombrar o leitor. Por isso escrever é fascinante: pois o absoluto pode ser qualquer coisa, o brilho de uma gotícula ou a asa de uma barata, mas eternizar esse momento "como um inseto no âmbar" não pode ser qualquer coisa, ao contrário, tem que ser trans-lúcido a ponto de deixar "a coisa mesma" dizer-se. Mundo das essências que arruína o platonismo e suas generalidades, no qual esta lama e esta sujeirinha sob a unha liberam sua alminha eterna. Corpo glorioso da linguagem, gozo perante o qual todos os demais empalidecem. |