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::::c::::a::::o::::s::::m::::o::::s:::: Caô Press

22.9.04

Nomes, muito mais que nomes

O padre Júlio Lancelotti disse há alguns dias que o que importa é cuidar dos moradores de rua, e não ficar discutindo nomenclaturas. Obviamente, o padre não faz parte do universo de três leitores de caô press, e estava se referindo, provavelmente, à coluna da Folha de São Paulo que eu citei numa nota anterior.

Eu não acho que discutir nomenclaturas seja um trabalho mais importante do que o admirável trabalho que o padre Lancelotti realiza, em São Paulo, com menores e moradores de rua. Mas me preocupa perceber que o padre desqualifica essa discussão. Não custa lembrar que, bem antes de mandar suas vítimas para as câmaras de gás e para os fornos crematórios, os nazistas já faziam todo um trabalho de propaganda no plano da linguagem, comparando-as com ratos e insetos. A meu ver - e aqui defendo não apenas a mim mas também o leitor mencionado na coluna da Folha - dar-se ao trabalho de refletir a respeito das nomenclaturas é também manifestar um cuidado com o povo de rua. Aliás, se não fosse assim, o padre Lancelotti não teria razões para rejeitar veementemente que os moradores de rua sejam chamados de mendigos. Devo presumir que apenas ele tem o direito de exercer esse cuidado?

E já que estamos retornando a esse tema, não custa mencionar aqui a tenebrosa campanha eleitoral do Sr. Marcelo Crivella à prefeitura do Rio de Janeiro. No programa de TV do candidato photoshop são mostradas algumas imagens de moradores de rua enquanto é dita a seguinte frase: "O Rio de Janeiro é muito mal administrado. Tem até gente morando e evacuando na sua porta."

Ao formular o problema desse modo, a campanha do bispo Crivella incita os telespectadores a enxergar o morador de rua tão somente como um fedorento estorvo, e não como um problema social. Trata-se de um problema de limpeza pública, nada mais. Ao invés de evacuarem em suas casas (mas eles não têm casas) ou nos milhares de banheiros públicos espalhados pela cidade (mas não há banheiros públicos na cidade), os moradores de rua insistem em fazê-lo na minha porta. Ou seja, a vítima sou eu - pobrezinho - que tenho que suportar este fedor. Mas um bom prefeito seria capaz de fazer essa limpeza. Como? Pouco importa. A partir do momento em que os moradores de rua forem percebidos, não como gente, não como um problema social, mas como um problema puramente estético-olfativo, abre-se um leque bem maior de opções para a solução do problema. Se tudo o que importa é que a merda desapareça, basta suprimir a fonte do incômodo. Tudo muito simples, rápido e eficiente.

Se eu fosse advogado já estaria processando o Sr. Crivella por incitação ao ódio contra uma minoria absolutamente indefesa. Não seria, aliás, a primeira ação do gênero. A Igreja Universal já está enfrentando um processo por incitação ao ódio no Uruguai.

ADENDO (23/09/04)

Para quem não sabia, o ataque a moradores de rua não é novidade: ver matéria publicada no Consultor Jurídico. Outra matéria interessante - sobre incitação ao ódio e estupidez humana em geral no orkut (where the elite meet) - foi publicada na Carta Maior.



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